- Este artigo explora as recentes propostas da União Europeia (UE) para simplificar suas regulamentações de ESG, com foco no pacote “Omnibus I” (fevereiro de 2025), e analisa seus potenciais impactos nas empresas brasileiras. Embora as mudanças visem primordialmente diminuir a burocracia para as Pequenas e Médias Empresas (PMEs) europeias, a crescente demanda do mercado por transparência ESG mantém-se como um fator fundamental para as empresas brasileiras que exportam para a UE ou integram cadeias de valor globais. É importante ressaltar que as propostas ainda aguardam a aprovação final pelas instituições da UE.
Imagem: Divulgação | Por Simone Horvatin, Redação Ambiental Mercantil
Abril de 2025 – A União Europeia (UE) tem se firmado como protagonista global na definição de padrões para questões ambientais, sociais e de governança (ESG), impulsionada por seu ambicioso Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal). Nos últimos anos, um complexo conjunto de diretivas e normas – como a Diretiva de Relatório de Sustentabilidade Corporativa (CSRD), as Normas Europeias de Relatório de Sustentabilidade (ESRS), a Diretiva de Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa (CSDDD) e a Taxonomia da UE – foi estabelecido para ampliar a transparência e a responsabilidade corporativa em sustentabilidade. Contudo, a Comissão Europeia reconheceu a necessidade de mitigar a burocracia excessiva, visando restaurar a competitividade europeia, conforme anunciado pela Presidente Ursula von der Leyen em novembro do ano anterior.
Em resposta a essa necessidade, a Comissão Europeia publicou, em 26 de fevereiro de 2025, dois pacotes de propostas de simplificação, denominados “Omnibus I” e “Omnibus II”, abrangendo diversas áreas da agenda de sustentabilidade da UE. O Omnibus I propõe simplificações nas regulamentações relacionadas a: Relatório de Sustentabilidade (CSRD), Taxonomia da UE, Diretiva de Due Diligence da Cadeia de Abastecimento da UE (CSDDD) e o Mecanismo de Ajustamento de Carbono nas Fronteiras (CBAM). O Omnibus II dedica-se à simplificação dos instrumentos de investimento da UE, especificamente o programa InvestEU.
O objetivo primordial dessas iniciativas é aliviar a carga administrativa sobre as empresas, em particular as Pequenas e Médias Empresas (PMEs) europeias, sem comprometer as metas ambiciosas de sustentabilidade da UE. Essa movimentação possui grande relevância para as empresas brasileiras, pois, apesar de serem regulamentações europeias, exercem impactos diretos e indiretos significativos no Brasil, especialmente no que concerne a:
- Cadeias de Valor globais: Empresas brasileiras que exportam para a UE ou que fazem parte das cadeias de suprimentos de empresas europeias podem ser diretamente afetadas pelas exigências de reporte, due diligence e pelo futuro impacto do CBAM de seus parceiros comerciais.
- Acesso ao Mercado: O alinhamento com os padrões ESG da UE, incluindo as possíveis alterações e os prazos de implementação, pode se tornar um diferencial competitivo importante e, em alguns casos, uma condição essencial para acessar o mercado europeu e atrair investimentos que priorizam a sustentabilidade.
- Tendência Global: As normas estabelecidas pela UE frequentemente influenciam regulamentações e expectativas de mercado em outras regiões, incluindo o Brasil, estabelecendo um padrão global para as práticas de ESG e para mecanismos como o CBAM.
Este artigo detalhará as principais propostas de simplificação contidas nos pacotes Omnibus, com foco no “Omnibus I” e suas implicações para as empresas brasileiras, considerando o contexto mais amplo das iniciativas da UE para equilibrar a ambição sustentável e a viabilidade econômica. É fundamental acompanhar a aprovação dessas propostas pelo Conselho e Parlamento Europeu para compreender seus efeitos concretos. O intuito é reduzir a burocracia sem renunciar aos objetivos de sustentabilidade.
O objetivo é reduzir a carga administrativa sem abandonar as metas de sustentabilidade.
Regulação/Norma | O que muda com o Omnibus I | Impacto para empresas brasileiras |
---|---|---|
CSRD/ESRS | Limiares mais altos para reporte obrigatório; exclusão de PMEs listadas; padrão voluntário VSME. | Menos exigências para pequenas fornecedoras; grandes exportadoras seguem sob pressão por transparência. |
CSDDD | Foco em parceiros diretos (Tier 1); flexibilização de avaliações e sanções. | Potencial redução de obrigações indiretas para fornecedores mais distantes na cadeia; foco maior em relações diretas. |
Taxonomia da UE | Reporte voluntário para empresas menores (com certas condições); simplificação para atividades pouco relevantes (princípio DNSH). | Menor pressão imediata para detalhamento de atividades “verdes” em empresas de menor porte; Taxonomia continua sendo referência para atividades sustentáveis. |
Este artigo detalha as principais regulamentações ESG da UE, explica o conceito fundamental de dupla materialidade e analisa as mudanças propostas no pacote de simplificação “Omnibus I”, destacando seus potenciais efeitos para as empresas brasileiras. É importante ressaltar que estas simplificações são, até o momento, apenas propostas e necessitam da aprovação do Parlamento Europeu e do Conselho da UE para entrarem em vigor legalmente.
Entendendo o arcabouço regulatório ESG da UE
Para compreender o significado das simplificações propostas, é fundamental conhecer as principais peças da legislação ESG da União Europeia:
- CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive)
Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Corporativa- O que é: Uma diretiva que exige que as empresas, inicialmente as de grande porte, divulguem informações detalhadas sobre seus riscos, oportunidades e impactos relacionados a questões ambientais, sociais e de governança (ESG).
- Objetivo: Aumentar a transparência para investidores, organizações da sociedade civil e outros stakeholders (partes interessadas) sobre o desempenho de sustentabilidade das empresas, permitindo uma avaliação mais informada e comparável.
- Como: Através da elaboração de relatórios padronizados que seguem as ESRS, incorporando o conceito de Dupla Materialidade.
- ESRS (European Sustainability Reporting Standards)
Normas Europeias de Reporte de Sustentabilidade / Relatório de Sustentabilidade- O que são: Um conjunto de normas técnicas detalhadas que especificam o que e como as empresas devem reportar as informações de sustentabilidade sob a égide da CSRD. Foram desenvolvidas pelo EFRAG (European Financial Reporting Advisory Group) – Grupo Consultivo Europeu para Relatórios Financeiros.
- O que são: Um conjunto de normas técnicas detalhadas que especificam o que e como as empresas devem reportar as informações de sustentabilidade sob a égide da CSRD. Foram desenvolvidas pelo EFRAG (European Financial Reporting Advisory Group) – Grupo Consultivo Europeu para Relatórios Financeiros.
- CSDDD (Corporate Sustainability Due Diligence Directive)
Diretiva de Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa- O que é: Uma diretiva que estabelece a obrigação legal para as empresas de identificar, prevenir, mitigar e prestar contas sobre impactos adversos aos direitos humanos e ao meio ambiente em suas próprias operações, nas de suas subsidiárias e em suas cadeias de valor. Entrou em vigor em julho de 2024, com um prazo para transposição (incorporação à legislação nacional) pelos Estados-Membros da UE até julho de 2026.
- Objetivo: Responsabilizar as empresas por potenciais violações e promover práticas empresariais mais éticas e sustentáveis em nível global. Inclui a necessidade de alinhar as estratégias empresariais com as metas do Acordo de Paris.
- Taxonomia da UE
- O que é: Um sistema de classificação que estabelece critérios técnicos robustos para determinar se uma atividade econômica pode ser considerada “ambientalmente sustentável”.
- Objetivo: Combater o “greenwashing” (prática de alegar falsamente ou exageradamente o caráter sustentável de produtos ou práticas), direcionar investimentos para atividades genuinamente verdes e fornecer clareza e confiança ao mercado financeiro. Empresas sujeitas à CSRD também devem reportar o alinhamento de suas atividades com a Taxonomia da UE.
O conceito central: Dupla Materialidade
Um dos pilares fundamentais da CSRD e das ESRS é o princípio da Dupla Materialidade. Isso significa que, ao decidir quais informações de sustentabilidade devem ser reportadas, a empresa deve considerar a relevância (materialidade) de um determinado tema ESG sob duas perspectivas distintas, porém interconectadas:
- Materialidade de Impacto (“De dentro para fora”):
Refere-se à forma como as atividades da empresa impactam (positiva ou negativamente) as pessoas e o planeta. Exemplos incluem emissões de gases de efeito estufa (GEE), consumo de água, gestão de resíduos, condições de trabalho e impactos sobre a biodiversidade. - Materialidade Financeira (“De fora para dentro”):
Avalia como as questões ESG podem criar riscos ou oportunidades financeiras significativas para a própria empresa. Exemplos incluem os custos de adaptação às mudanças climáticas, novas receitas geradas por produtos e serviços sustentáveis, riscos regulatórios, danos à reputação e a crescente pressão de investidores por desempenho ESG.
Um tópico é considerado material e, portanto, deve ser reportado se for relevante sob uma ou ambas as perspectivas da dupla materialidade.
As propostas de simplificação (Pacote “Omnibus I” – Fev/2025)
O pacote de propostas “Omnibus I” apresentado pela Comissão Europeia visa aliviar a carga regulatória imposta pelas recentes diretivas e normas de ESG, com um foco particular nas Pequenas e Médias Empresas (PMEs) na Europa. As principais mudanças propostas incluem:
1. Ajustes na CSRD e ESRS:
- Aumento dos Limiares para Reporte Obrigatório: A proposta eleva significativamente os critérios para que uma empresa esteja sujeita à obrigatoriedade de reporte sob a CSRD. Apenas empresas com mais de 1.000 funcionários (o limite anterior era de 250) e que atendam a determinados critérios financeiros (volume de negócios superior a €50 milhões OU ativos totais superiores a €25 milhões) seriam obrigadas a reportar. As PMEs listadas em bolsa seriam, em princípio, excluídas da obrigatoriedade.
- Eliminação/Adiamento de Normas Setoriais (ESRS): A proposta sugere a eliminação da obrigação de desenvolver normas ESRS específicas para cada setor da economia, o que simplificaria consideravelmente o processo de reporte para as empresas.
- Padrão Voluntário para PMEs (VSME – Voluntary SME Standard): Introdução de um padrão de reporte de sustentabilidade simplificado e voluntário (VSME), desenvolvido pelo EFRAG, especificamente para empresas de menor porte (abaixo dos novos limiares de obrigatoriedade). Este padrão visa fornecer uma estrutura menos complexa para que as PMEs possam comunicar suas práticas de sustentabilidade, se assim desejarem.
- Redução do Efeito Cascata: As empresas maiores seriam instruídas a limitar as exigências de dados de sustentabilidade de seus fornecedores PMEs ao escopo do padrão VSME, buscando aliviar a pressão informacional sobre as menores empresas na cadeia de valor.
- Adiamento da Transposição: Para os países da UE que ainda não incorporaram a CSRD em suas legislações nacionais (como Portugal, citado em alguns exemplos), a proposta prevê uma extensão de dois anos no prazo de transposição, permitindo uma adaptação mais gradual. Essa extensão pode, em alguns casos, impactar o cronograma geral de implementação da diretiva.
2. Ajustes na CSDDD:
- Foco em Parceiros Diretos (Tier 1): A proposta sugere que a obrigação de due diligence se concentre primariamente nas relações comerciais diretas (fornecedores de primeiro nível – Tier 1), limitando a responsabilidade das empresas sobre fornecedores indiretos (níveis mais distantes na cadeia de valor), exceto em casos de riscos comprovados e significativos.
- Flexibilização de Avaliações: Há uma possível revisão da frequência com que as avaliações de impacto de direitos humanos e ambientais precisam ser realizadas, com a possibilidade de ciclos mais longos do que o inicialmente previsto (anual).
- Ajustes em Responsabilidade e Sanções: Estão sendo propostas alterações para tornar o regime de responsabilidade civil menos propenso a litígios em massa e para que as penalidades financeiras sejam mais proporcionais à gravidade da infração. Por exemplo, discute-se a possível remoção do piso de 5% do faturamento global como limite mínimo para sanções.
3. Ajustes na Taxonomia da UE:
- Reporte Voluntário Abaixo de Certo Porte: A proposta estabelece que o reporte do alinhamento das atividades econômicas com os critérios da Taxonomia da UE se torne voluntário para empresas com mais de 1.000 funcionários, mas cujo volume de negócios anual seja inferior a €450 milhões.
- Flexibilidade para Atividades Menores (Materialidade): Há a possibilidade de introdução de uma isenção ou de uma avaliação simplificada detalhada (incluindo o princípio de DNSH – Do No Significant Harm, que significa “Não Causar Dano Significativo” a outros objetivos ambientais) para atividades econômicas que representem uma pequena parcela do faturamento total da empresa (por exemplo, menos de 10%).
- Adaptação para o Setor Financeiro: Estão previstos prazos estendidos (por exemplo, até 2027) e metodologias ajustadas para o cálculo de KPIs (Key Performance Indicators – Indicadores Chave de Desempenho) importantes, como o Green Asset Ratio (GAR) (Índice de Ativos Verdes), por bancos e gestores de ativos. FAQs (Frequently Asked Questions – Perguntas Frequentes) foram publicadas em março de 2025 para auxiliar na aplicação dessas novas diretrizes.
Impacto esperado e perspectivas para empresas brasileiras
- Alívio Administrativo: Caso sejam aprovadas, as propostas do “Omnibus I” devem trazer um alívio administrativo considerável, especialmente para as PMEs europeias e, indiretamente, para seus fornecedores globais, incluindo as empresas brasileiras, que poderão enfrentar um menor volume de solicitações de dados complexos relacionados a ESG.
- Foco nas Grandes Empresas: O principal ônus regulatório em termos de reporte e due diligence continuará a recair sobre as grandes corporações europeias.
- Pressão de Mercado: Mesmo com uma possível flexibilização nas regras formais, a crescente pressão por transparência em questões ESG por parte de investidores, consumidores e grandes compradores europeus provavelmente persistirá. Isso manterá a relevância do tema para as empresas brasileiras que integram a cadeia de valor da UE.
- Padrão Voluntário (VSME): As empresas brasileiras que fornecem bens ou serviços para PMEs europeias podem considerar útil compreender e, potencialmente, alinhar suas práticas ao padrão VSME. Isso pode facilitar as relações comerciais e demonstrar um compromisso com a sustentabilidade, mesmo que não haja uma exigência formal direta.
- Taxonomia como Referência: Mesmo que o reporte de alinhamento com a Taxonomia da UE se torne voluntário para algumas empresas, ela tende a permanecer uma referência importante para definir o que é considerado “verde” no contexto europeu e para acessar financiamento sustentável na região.
Ajustando a rota
A proposta de simplificação das regras de ESG pela UE reflete um esforço para tornar a transição para uma economia mais sustentável mais gerenciável e equilibrada, conciliando a ambição ambiental com a viabilidade econômica para as empresas, especialmente as menores. Para as empresas brasileiras que possuem laços comerciais ou de investimento com a Europa, é fundamental entender as implicações dessas mudanças propostas:
- Elas podem resultar em uma redução da carga imediata de algumas exigências indiretas que chegam através da cadeia de valor.
- No entanto, a direção estratégica da UE em direção a uma economia mais sustentável permanece inalterada e firme.
- A transparência e o bom desempenho em relação aos critérios ESG continuarão sendo fatores determinantes para a competitividade e o acesso ao mercado europeu.
É importante que as empresas brasileiras monitorem de perto a aprovação final e a implementação dessas propostas. Avaliar como essas mudanças podem afetar suas relações comerciais com parceiros europeus e considerar o alinhamento voluntário a padrões como o VSME ou a Taxonomia da UE pode ser uma estratégia proativa e vantajosa a médio e longo prazo.
Sobre a autora
Simone Horvatin é jornalista brasileira (MTB 0092611/SP) e associada a BDFJ – Bundesverband Deutscher Fachjournalisten e.V. (Federação de Jornalistas Técnicos da Alemanha). Em 2016, criou a plataforma Ambiental Mercantil para fortalecer a troca de informações e conhecimentos sobre o meio ambiente e a sustentabilidade entre Alemanha e Brasil.
Oferece cursos corporativos in company online e ao vivo (via zoom, com certificado) personalizados a empresa contratante. Temas abordados são ESG, Sustentabilidade Corporativa, Greenwashing (também sobre Economia Circular, Tratamento de Água, Saneamento Básico, Energias renováveis, Bioenergias, Bioeconomia, etc ). Os cursos são sob demanda, especialmente desenvolvidos para departamentos de RH e Comunicação das empresas, governos, assessorias de imprensa e agências de publicidade. Interessados entrar em contato pelo LinkedIn ou WhatsApp.