Desafios climáticos: ribeirinhos enfrentam dificuldades com a pesca diante da seca no Amazonas

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Foto: Michael Dantas/AFP
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Imagem: Divulgação

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Setembro de 2024 – Nos últimos anos, o estado do Amazonas tem enfrentado sérios impactos das mudanças climáticas, incluindo seca, queimadas e desmatamento, ameaçando seus povos, a biodiversidade única da região e a estabilidade climática global. Na primeira quinzena de julho deste ano, rios como Solimões, Amazonas e Madeira já estavam em vazante. O Rio Negro, até o boletim do dia 9 de setembro, estava atingindo 17,73 metros em Manaus; no mesmo dia em 2023, ele estava medindo 25,33 metros, segundo dados do Porto de Manaus. A bacia do Rio Madeira é a mais crítica, com operações de balsas reduzidas para evitar encalhes.

Com os informes oficiais dos governos locais, populações tradicionais que vivem em comunidades próximas à Manaus e na região de Fonte Boa demonstram preocupação com mais uma seca extrema. Segundo a liderança comunitária do Saracá, Sebastião Brito Mendonça, durante a cheia deste ano, foi possível sentir diferença na pesca.

Segundo ele, “parecia que os peixes tinham diminuído de tamanho”. Seu Sabá, como é conhecido no local, é pescador e atribui essa diferença do pescado à severa seca de 2023.

“A pesca foi bem impactada e acreditamos que foi por causa da seca extrema que tivemos [em 2023]. Esse impacto baixou a quantidade de peixes e também sentimos na qualidade do peixe, pois como foi uma seca grande, acreditamos que o peixe não teve como se alimentar da mesma forma que sempre se alimenta. [Ano passado] secaram os lagos, ficou muita lama, só lama. Por isso acreditamos que tivemos um impacto, mas prejudicando principalmente a questão da renda e a qualidade do nosso pescado”, relata. A comunidade Saracá está localizada dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, distante à aproximadamente 69 quilômetros de Manaus.

Ainda segundo Sebastião, o nível atual do rio Negro (mês de agosto de 2024) ainda não chegou ao extremo e os moradores conseguem navegar, mas há preocupação pela rápida descida do rio, em relação ao ano passado.

“No momento não está tão difícil ainda, mas é preocupante porque o rio está baixando muito. E nesta semana baixou, praticamente, 2 metros e meio de água”, afirma com seu conhecimento tradicional de quem reside na região há 30 anos.

Em 2023, um dos principais impactos da estiagem na região do Rio Negro foi no setor do turismo de base comunitária. Os empreendimentos apoiados pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), no baixo Rio Negro, tiveram impacto de aproximadamente R$ 200 mil de arrecadação, entre outubro e dezembro do ano passado, período em que as pousadas precisaram fechar as portas pela dificuldade de acesso dos turistas às comunidades.

Segundo Marco Oliveira, pesquisador de geociências do CPRM – Serviço Geológico do Brasil, os rios ainda estão em processo inicial de vazante.

“Os níveis da água a partir de agosto devem intensificar o ritmo de descida, chegando a cair mais de 20 cm diariamente, até meados do mês de outubro, quando a volta das chuvas e a descarga das águas subterrâneas fazem com que haja uma estabilização e depois a subida, iniciando um novo ciclo de cheia”.

Outra parte do estado do Amazonas que já está sentindo os impactos da seca é a região do município de Fonte Boa, distante 864 quilômetros de Manaus. O manejador de pirarucu Zeliton Coelho, que reside em Fonte Boa, relata as dificuldades que os pescadores estão tendo.

“Nós já começamos a sofrer aqui com a estiagem. A seca no rio Solimões está afetando as famílias que trabalham na área rural. Tem alguns afluentes em que os barcos não estão mais trafegando para chegar até o rio Maiana, e isso é algo que vai afetar muito para gente na época do manejo de tambaqui, pirarucu e outras espécies, porque não vai ter como buscarmos a produção nas áreas que a gente pesca. Gostaríamos de reforçar aos órgãos que estão à frente na liberação de pesca que já estamos sofrendo muito com a estiagem”, conta o manejador.

Segundo o comunitário, a maior dificuldade é o acesso aos lagos onde eles realizam as despescas (a “colheita” dos peixes em viveiros naturais)  dos peixes, devido ao baixo nível dos rios para trafegar, por isso, eles pedem ações.

Em outra região, dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piranha, localizada no município de Manacapuru, as comunidades Betel e Braga também passaram por muitas dificuldades com a estiagem de 2023. As maiores dificuldades foram o acesso à água potável e logística para chegar até às sedes do município e retornar para as localidades. Também houve mortalidade de dezenas de espécies de peixes.

Como forma de amenizar os problemas dos moradores, a Fundação Amazônia Sustentável entregou cestas básicas, kits de higiene, água potável, filtros de barro, kits para chuvas, medicamentos, entre outros insumos que as famílias necessitavam. Atualmente, a fundação está instalando sistemas de captação de água para que os comunitários não fiquem sem água potável.

Já na região da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus, que em 2023 as comunidades enfrentaram dificuldades para ter acesso à água potável, receberam neste ano sistemas de captação de água direto do rio e poços artesianos com sistema de energia solar para o funcionamento das bombas que. A professora Maria Ribeiro Lima, da comunidade Deus é Amor, relata a importância dos poços no período da seca.

“Nós dependemos da água para tudo e o meio que nós tínhamos aqui era o lago e agora isso muda totalmente. Nós tivemos uma seca que foi muito drástica e as algumas cacimbas de onde era retirada a água se esgotaram. Tivemos que comprar água da capital e a logística era muito complicada. Eu me sinto muito feliz e honrada por ter chegado esse projeto aqui. Para mim, foi até inesperado, pois nós já esperávamos que chegasse o projeto, mas não tão rápido. Eu vejo que é uma realização para a comunidade”, relata.

A comunitária Ramilda Lima dos Santos, que reside na comunidade Mangueira, também reforçou a dificuldade que as comunidades têm diante da estiagem.

“A preocupação com a seca é na questão da água, como ter água saudável. A gente também sabe que a seca está afetando a renda das comunidades, porque com a seca muito grande impede a gente de fazer a pesca, como o manejo”, comentou.

Adaptação climática

Não diferente na região do Baixo Rio Negro, anualmente, um dos serviços mais afetados durante a vazante é a pesca, pois, além de ser o principal alimento dos comunitários, o pescado também é utilizado para as refeições oferecidas aos turistas e vendidas às comunidades próximas. O serviço é afetado devido ao baixo nível dos rios, causando dificuldade logística para os pescadores realizarem a despesca dos peixes em lagos mais distantes, além da dificuldade de chegarem até às sedes de municípios comprar o gelo que armazena os alimentos, pois há uma demanda maior de combustível para as embarcações, além de tempo longo de deslocamento.

Entre as ações estruturantes que a FAS realiza em comunidades ribeirinhas, em especial em Santa Helena do Inglês, que abrange também comunidades próximas como o Saracá e Tumbira, a instituição está implementando a Fábrica Gelo Caboclo. A fábrica utiliza energia solar para produzir e armazenar gelo, reduzindo custos logísticos e aumentando a renda dos pescadores e da comunidade em cerca de 20%. O projeto prevê a geração de mais de três mil quilos de gelo por dia, quando for implementado, em outubro deste ano, beneficiando mais de 400 ribeirinhos.

O Gelo Caboclo é uma iniciativa que tem recursos do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPbio), com recursos da empresa Positivo. As ações da FAS nas Unidades de Conservação (UCs) também recebem apoio da Secretaria Estado de Meio Ambiente do Amazonas (Sema/AM).

Essas iniciativas destacam a urgência e a importância de medidas integradas para enfrentar os desafios das mudanças climáticas na Amazônia, protegendo não apenas o ambiente local, mas também contribuindo para a estabilidade climática global e a conservação da biodiversidade.

“Nós temos que ser responsáveis e lidar com eventos como a seca com muita seriedade. É essencial não apenas pensar em ações emergenciais, mas em ações preventivas, de adaptação. A FAS tem uma série de experiências desenvolvidas aqui no Amazonas, que permitem compreender quais são os caminhos, como fazer e implantar soluções práticas. E esse é um momento de conscientizar e convidar todos a se engajarem na construção de soluções sustentáveis o mais urgente possível. As mudanças climáticas são a nova realidade, o novo normal, e nós temos que enfrentar isso de uma maneira muito séria, profissional e comprometida”, declara Virgilio Viana, superintendente geral da FAS.

Virgilio reforça que estamos na era da adaptação climática e que não temos um “planeta B”, agora é necessário que as políticas públicas alcancem as comunidades da Amazônia profunda e cheguem até as casas daquelas pessoas que são as que menos geram impacto nas mudanças climáticas, mas são as primeiras a serem afetadas por ela.

Sobre a FAS 

A Fundação Amazônia Sustentável (FAS) é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos que atua pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia. Sua missão é contribuir para a conservação do bioma, para a melhoria da qualidade de vida das populações da Amazônia e valorização da floresta em pé e de sua biodiversidade. Com 16 anos de atuação, a instituição tem números de destaque, como o aumento de 202% na renda média de milhares famílias beneficiadas e a queda de 39% no desmatamento em áreas atendidas. 

Site oficial: https://fas-amazonia.org

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