Desertificação na Caatinga reduz em mais de 50% a funcionalidade do solo

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Foto: Ao longo de duas décadas está sendo possível recuperar a saúde do solo
Foto: Ao longo de duas décadas está sendo possível recuperar a saúde do solo

Imagem: Divulgação

  • Estudo da Universidade Federal do Ceará em parceria com o RCGI constata redução em mais de 50% na funcionalidade do solo
  • Pesquisa também aponta que, ao recuperar a Caatinga bioma, é possível chegar a níveis de qualidade do solo próximos aos que existiam antes da ação do homem nas áreas
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Junho de 2024 – Pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) da USP, analisaram, pela primeira vez, o impacto da desertificação da Caatinga e constataram que a degradação do solo reduz em mais de 50% a funcionalidade deste solo, ou seja, a capacidade do solo sustentar o crescimento das plantas e promover bem-estar humano e animal. E que isso, consequentemente, reduz também o sequestro de carbono pelo solo.

Publicado na revista Applied Soil Ecology, o estudo analisou 54 amostras de terra obtidas em temporadas de seca e de chuva, em três diferentes territórios do Núcleo de Desertificação de Irauçuba, no norte do Ceará, sendo que cada um deles conta com áreas de vegetação nativa, degradada e restaurada.

A redução de mais de 50% na funcionalidade do solo foi obtida por meio de diversas análises físicas, biológicas e químicas em áreas degradadas pela ação humana. Do ponto de vista físico, observou-se um solo bastante comprometido, principalmente pela compactação causada pelo pisoteio dos animais.

“Este fenômeno aumenta a compactação e reduz a porosidade, impedindo a infiltração de água no solo e, consequentemente, acaba acelerando o processo de erosão do solo”, explica Antonio Yan Viana Lima, doutorando em Solos e Nutrição de Plantas na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), pesquisador do RCGI e primeiro autor do estudo.

“Do ponto de vista biológico, os indicadores de composição microbiana, teores de carbono e atividade enzimática mostraram-se favoráveis para o crescimento da vegetação e para o sequestro de carbono”, detalha Lima. “Por outro lado, vimos pouca variação dos indicadores químicos entre as áreas estudadas, inclusive entre áreas restauradas e degradadas. Isso indica que esse quesito foi pouco sensível para as metodologias abordadas no estudo, o que demonstra que os componentes biológicos são importantes indicadores de saúde do solo, visto que prontamente respondem a perturbações humanas no solo”, complementa.

“Já nas áreas restauradas, constatamos que, ao impedir a ação do homem, é possível atingir índices físico, químicos e biológicos próximos de sua composição original”, afirma Arthur Prudêncio de Araujo Pereira, professor da UFC e coordenador do estudo.

As áreas restauradas, segundo ele, são campos que, por meio da iniciativa do professor José Gerardo Beserra de Oliveira, do Departamento de Biologia da UFC, há mais de duas décadas, foram totalmente cercados no intuito de impedir a ação do homem e a circulação de animais. Nesses campos, não foi plantada nenhuma espécie, pois a proposta era verificar como e se a vegetação iria se regenerar naturalmente sem essas interferências.

“O interessante é que os resultados das análises nessas áreas, em todos os aspectos, foram muito próximo do que se viu nas áreas de vegetação nativa. Assim, ao longo de duas décadas está sendo possível recuperar a saúde do solo dessas áreas, o que pode ser promissor ainda para o sequestro de carbono, uma vez que essas terras registraram maiores valores de estoques de carbono total e microbiano”, afirma Pereira.

O solo nativo da Caatinga é caracterizado por uma pouca profundidade e uma textura que pode variar de solos argilosos a solos arenosos. Já sua vegetação nativa é caracterizada por ser adaptada a longos períodos de estiagem, por meio de mecanismos que as plantas têm para reduzir a perda de água durante o período seco.

“Esses fatores levam a uma rica biodiversidade, uma vez que há centenas de plantas e animais já adaptados a esse clima e a esse solo”, destaca Lima.

Vulnerabilidade às mudanças climáticas

Bioma característico do semiárido brasileiro, a Caatinga é um dos biomas brasileiros que mais sofrem pela ação humana e, consequentemente, pelas mudanças climáticas. Um estudo divulgado pela Scientific Reports em 2023 apontou que, dos seus aproximados 860 mil quilômetros quadrados, apenas 31 mil mantinham sua vegetação original.

A degradação dessas terras se dá principalmente pela criação de animais, sobretudo ovinos, caprinos e bovinos, que se alimentam da vegetação original. Ao serem consumidas, deixam o solo exposto à erosão causada pelas chuvas e pelos ventos, entre outros agentes.

“Por esse motivo, o semiárido brasileiro, que corresponde a 11% do território nacional, é uma das regiões mais vulneráveis às mudanças climáticas no mundo, e está, em alguns de seus núcleos, passando por um processo de desertificação. A degradação está se acentuando tanto que já foram identificadas algumas regiões de clima árido”, detalha Maurício Roberto Cherubin, professor da ESALQ-USP e pesquisador do RCGI, onde é vice-diretor do programa Nature Based Solutions (NBS).

“Estudos como o nosso são de suma importância para o bioma pois a desertificação é pouco monitorada e noticiada, assim como há pouco conhecimento sobre as causas e soluções desse problema”, acrescenta Pereira. “Isso não ocorre só na Caatinga, onde fizemos agora o primeiro levantamento do gênero, mas em todos os biomas brasileiros”, complementa Lima.

Metodologia inovadora

Trata-se de um estudo pioneiro que utilizou também pela primeira vez a ferramenta SMAF (Soil Management Assessment Framework — avaliação estrutural do gerenciamento do solo, em português) no semiárido. Usada para avaliar a saúde do solo, essa ferramenta se baseia em cálculos, realizados por algoritmos, que colocam os resultados dos fatores analisados em uma escala de 0 a 100, sendo 100 o mais positivo. E a partir disso, chegam a um número final que corresponde a um índice de saúde do solo.

“É uma ferramenta que surgiu nos Estados Unidos e eu, com o auxílio de outros pesquisadores, nos últimos 10 anos, temos feito adaptações para Brasil. A ideia dela é integrar os dados de diversos indicadores em um índice de saúde do solo, que nos ajude a compreender o problema com mais facilidade. Já a aplicamos em diferentes condições de uso da terra e manejo na Mata Atlântica, no Cerrado e na Floresta Amazônica, em manguezais, — e agora conseguimos adaptá-la para a utilização na Caatinga”, afirma Cherubin.

O grupo de pesquisadores está agora expandindo a análise para os três outros núcleos de desertificação do semiárido, para verificar, por meio dessa ferramenta, se a situação observada em Irauçuba se traduz para toda a Caatinga e se há outras técnicas de recuperação de solos degradados. Essas novas iniciativas estão sendo desenvolvidas no âmbito do projeto Caatinga Microbiome Initiative (CMI), uma iniciativa interinstitucional, criada em 2022, que envolve mais de 20 professores e pesquisadores do Brasil e do exterior, com o objetivo de estudar o microbioma da Caatinga e sua relação com a saúde do solo.

A pesquisa está inserida no escopo de diversos projetos do programa Nature Based Solution (NBS – Solução Baseada na Natureza) do RCGI. Dentre eles, o projeto 53, que desenvolve sistemas agrícolas integrados, uma estratégia de criar em uma mesma área, uma variedade de produções, respeitando a sazonalidade de cada uma das culturas. Segundo Cherubin, essa estratégia aumenta a saúde do solo, o que favorece o sequestro de CO2 . E estudos como esse auxiliam no conhecimento sobre a Caatinga para que, no futuro, seja possível definir quais as melhores estratégias e arranjos de sistemas agrícolas integrados para o bioma.

Sobre o RCGI

O Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) é um Centro de Pesquisa em Engenharia, criado em 2015, com financiamento da FAPESP e de empresas por meio dos recursos previstos na cláusula de P,D&I da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) dos contratos de exploração e comercialização de petróleo e gás.

Atualmente estão em atividade 57 projetos de pesquisa ativos (em um histórico de 110), ancorados em oito programas: NBS (Nature Based Solution); CCU (Carbon Capture and Utilization); BECCS (Bioenergy with Carbon Capture and Storage); GHG (Greenhouse Gases), Advocacy, InnovaPower, Decarbonization e Centre 2 Centre (projetos em colaboração direta com centros de pesquisa dos Estados Unidos). O RCGI, que conta com cerca de 600 pesquisadores, mantém colaborações com diversas instituições, como Oxford, Imperial College, Princenton e o National Renewable Energy Laboratory (NREL).

Site oficial: https://sites.usp.br/rcgi

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