OPINIÃO DE ESPECIALISTA: No compasso do 1,5°C, o Pacto Climático de Glasgow e as ações de atores não estatais e subnacionais

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Foto: Divulgação | CDP América Latina é uma organização internacional sem fins lucrativos que mede o impacto ambiental de empresas e governos de todo o mundo.
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Imagem: Divulgação | Por Miriam Garcia – Gerente de Políticas Públicas CDP América Latina

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A realização da Conferência das Partes (COP) em Glasgow, no início de novembro, gerou grandes expectativas. São diversos os motivos para justificar os holofotes. Trata-se do primeiro grande encontro diplomático após o início da pandemia, reunindo quase 40 mil participantes. Além disso, a COP-26 marca o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris e a participação do presidente Joe Biden na Cúpula de Líderes Mundiais, realizada nos primeiros dias da COP-26.

Destaca-se também o anúncio de planos climáticos atualizados de 150 países que submeteram Contribuições Nacionalmente Determinadas (conhecidas pela sigla em inglês NDC) ao Secretariado antes do início das negociações. A tarefa delegada aos negociadores, de buscar consenso para finalizar as regras de operacionalização do Acordo de Paris em temas como mercado de carbono e transparência, também merece ser mencionada como um dos pontos de atenção para a COP-26.

Por fim, a manutenção do aumento da temperatura em 1.5°C – comparado aos níveis pré-industriais – mencionado no Acordo de Paris passou de uma demanda de alguns grupos para ser um pilar central em Glasgow.

A mensagem enviada pela ciência, notadamente por meio dos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), ecoava nos pedidos dos manifestantes que marchavam nas ruas de Glasgow e até mesmo nas salas de negociação. Um ministro de Tuvalu (país formado por nove pequenos grupos de ilhas no oceano Pacífico, na Oceania) gravou seu discurso dentro do mar em protesto contra o risco de desaparecimento da ilha.

Essas variáveis contribuíram para a COP-26 se tornar a conferência da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, em sua sigla em inglês) com maior número de acreditações para representantes da imprensa. A descrição do processo de construção de consenso em um grupo com mais de 190 países ilustra a complexidade das negociações. Por exemplo, presenciou-se a mudança de linguagem de “abandonar” para “reduzir” o uso de carvão e os subsídios aos combustíveis fósseis nas últimas rodadas de negociação.

Analistas de todo o mundo se debruçaram para compreender o quanto o caminho pautado por Glasgow nos coloca na trajetória para atingir a meta de aquecimento de 1.5°C.

As perspectivas não são otimistas. Estamos muito distantes dessa meta, e alguns especialistas apontam para um aumento de 2,4°C. Apesar dos resultados mostrarem o imperativo de maior ambição dos compromissos e da implementação imediata de ações climáticas, a Conferência de Glasgow apresenta avanços.

O Pacto Climático de Glasgow: para a fase da implementação

O Pacto Climático de Glasgow é um conjunto de três documentos adotados pelas Partes da UNFCCC, são eles: a Decisão da COP-26, a Decisão da Terceira Reunião da Conferência das Partes do Acordo de Paris e a Decisão da 16° Reunião da Conferência das Partes do Protocolo de Kyoto.

Uma das tarefas dos negociadores era finalizar o ‘Livro de Regras’ do Acordo de Paris em temas centrais como o mercado de carbono e o mecanismo de transparência dos compromissos dos países, submetidos ao Secretariado da UNFCCC por meio das NDCs.

A conclusão dessa etapa representa uma demonstração da força do Acordo de Paris que agora entra em uma fase de implementação.

Ainda é cedo para dizer se todos os mecanismos previstos no tratado serão suficientes para que ele seja cumprido. Caberá aos países implementarem suas NDCs e respeitarem o mecanismo de catraca, que demanda a revisão das NDCs pautada pelo princípio de progressividade da ambição climática.

Nesse sentido, o artigo 31 do segundo documento do Pacto Climático de Glasgow “decide convocar uma mesa-redonda ministerial anual de alto nível sobre a ambição pré-2030”, que será realizada a partir de 2022 durante as COPs.

A transparência das ações de todos os países, incluindo inventários nacionais de GEE e o progresso para o cumprimento das NDCs, está prevista no Artigo 13 do Acordo de Paris, que também teve suas regras definidas em Glasgow. Em discussões extremamente técnicas, mas com o pano de fundo sobre a necessidade de financiamento para os países em desenvolvimento, foram definidas regras comuns para os países reportarem inventários e ações climáticas.

Pode-se mencionar, igualmente, que os debates relacionados ao financiamento climático atraíram atenção. A cifra de U$ 100 bilhões anuais para o clima não foi alcançada, gerando desconfiança sobre o cumprimento dos compromissos por parte dos países desenvolvidos.

O artigo 44 da Decisão da COP-26 para o Acordo Paris “nota com profundo pesar que a meta dos países desenvolvidos de mobilizar conjuntamente US $ 100 bilhões por ano até 2020 (…) ainda não foi cumprida” e o artigo 46 “insta os países desenvolvidos a cumprirem integralmente o objetivo de 100 bilhões de dólares, com urgência e até 2025, e realça a importância da transparência na implementação das suas promessas”.

A Decisão da COP-26 não só menciona os objetivos do Acordo de Paris de manter a temperatura bem abaixo de 2°C e, se possível 1,5°C, mas também no artigo 21 “decide prosseguir nos esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C”. Outro importante tema que deve ser central na próxima COP é a questão de perdas e danos, como demonstra o artigo 73, que “decide estabelecer o Diálogo de Glasgow entre as partes, organizações relevantes e partes interessadas, a fim de discutir os arranjos para o financiamento de atividades que evitem, minimizem e abordem perdas e danos associados aos impactos adversos das mudanças climáticas (…)”.

As ações climáticas de atores não estatais e governos subnacionais: transparência e accountability

Não foi somente nas salas de negociações que o tema de 1,5°C se fez presente. A busca pela neutralidade climática ganhou relevância também pelas ações apresentadas por empresas, investidores, cidades e estados, que possuem o status e observadores no âmbito da UNFCCC.

Orquestrados pela campanha Race to Zero, mais de 7.500 atores não estatais e subnacionais apresentaram um compromisso voluntário compatível com uma trajetória de aquecimento de 1,5°C.

O engajamento dos atores da economia real catalisa um ciclo virtuoso de ambição ao enviar um sinal encorajador para que os governos nacionais possam implementar políticas públicas para cumprimento das NDCs.

Entretanto, essa dinâmica de aproximação dos atores não estatais e subnacionais de  um espaço de negociação exclusivamente intergovernamental não é isento de questionamentos. Ao trazer esses anúncios para as salas que outrora foram exclusivamente acessadas por diplomatas, as presidências das COPs e o Secretariado da UNFCCC fortalecem uma arquitetura de multilateralismo híbrido, demandando que tanto países quanto atores não estatais transformem compromissos em ações pautadas por transparência e pela adesão aos princípios do melhor conhecimento científico disponível.

Liderada pelos Campões Climáticos nomeados pelas presidências das COPs, a Parceria de Marrakech para Ação Climática Global é o espaço formal dentro do Secretariado da UNFCCC para conectar os atores não estatais aos Estados. A publicação liderada pelos Campões da COP-25 e COP-26, respectivamente Gonzalo Muñoz e Nigel Topping, apresentou a visão estratégica e o plano de trabalho para a Parceria de Marrakech, incluindo funções como monitoramento do progresso, transparência e credibilidade das ações de atores não estatais e subnacionais.

Para definir o que significa compromissos net zero para esses atores, o Secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, anunciou a criação de um painel de alto-nível a ser lançado em 2022. Além disso, os mecanismos dessa arquitetura híbrida já existentes no secretariado da UNFCCC foram fortalecidos no artigo 56 da Decisão da COP-26, com o reconhecimento da Parceria de Marrakech e do papel dos Campeões Climáticos.

A década da ação e da credibilidade

Como mencionado pelo Secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, “os resultados de Glasgow são encorajadores, mas longe de serem suficientes.”

A velocidade com que o tema do 1,5° ganhou centralidade nas discussões precisa ser catalisada para a implementação das ações climáticas. A conclusão das regras do Acordo de Paris permite que as próximas COPs sejam focadas nas ações dos países. Entretanto, não serão debatidos somente transparência e monitoramento das ações estatais.

A demanda do Secretário-geral para criação do painel de alto-nível para debater o significado do net zero demonstra que o mais alto escalão das Nações Unidas também está engajado no debate sobre a credibilidade dos anúncios de atores não estatais. A implementação imediata de ações climáticas pautadas por critérios de transparência e pela ciência são pilares fundamentais para a credibilidade dos compromissos dos atores não estatais. Evitar mais disrupções ecológicas e sociais causadas pela mudança do clima demandará não somente dos países, mas também dos atores não estatais e governos subnacionais, implementação acelerada tal como mecanismos de financiamento adicional para mitigação e adaptação.

Crédito:
Imprensa | CDP América Latina

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