Imagem: Divulgação | Colaboração de José Maria Bernardelli Junior, Viviane Bleyer e Marcelo Suster para nossa seção Opinião de Especialistas Ambiental Mercantil
1. Introdução
O investimento em negócios ESG, aqueles que incorporam aspectos ambientais, sociais e de governança no seu modelo de negócios, estimulou o interesse de grande parte dos gestores de ativos.
Em 2019, a capitalização de portfólios focados em ESG nos principais mercados ultrapassou US$ 30 trilhões. [1] Proprietários de ativos e gestores de portfólio que supervisionam trilhões de dólares procuram incorporar considerações ambientais, sociais e de governança (ESG) em seu processo de investimento, mas por outro lado, os investidores têm pouca orientação sobre como incorporar ESG na escolha do portfólio e vivem em meio a opiniões desencontradas envolvendo acadêmicos e profissionais. Até mesmo entre pesquisadores, grassa a divergência entre aqueles argumentam que as considerações ESG devem necessariamente diminuir os retornos esperados (Hong e Kacperczyk, 2009[2]) e aqueles que argumentam a favor de desempenho superior (Financial Times, 2017[3]).[4]
De acordo com Sonia Favareto[5], o ESG é considerado na atualidade a sigla das galáxias, que imergida do inglês traz para o âmago das empresas contemporâneas o insofismável e forçoso convite de contabilizar e publicar indicadores ambientais, sociais e de governança para os olhares de agentes econômicos e financeiros, teoricamente comunicando de maneira voluntariosa a estratégia da organização em face do contexto de transformações, que se apresenta cotidianamente.
Encarado como mero modismo por alguns, a sustentabilidade, tida como conjunto de princípios fundamentais para a construção da perenidade, se constituiu em uma nova cultura empresarial na esteira de fenômenos como as mudanças climáticas, carestia de recursos hídricos, extinções de espécimes em série e muitos outros fenômenos.
As organizações trazem consigo um imenso poder transformador, fomentando o desenvolvimento local, dinamizando a economia nas comunidades e realizando contratações diretas e indiretas e assim se postando como celeiros de oportunidades para a mão de obra, principalmente ao oportunizar a diversidade, não importando o gênero, etnia, idade, orientação sexual e etc. A pandemia trouxe para a sociedade a discussão sobre a validade do modelo em voga e a urgência de uma revisão que abarque a solidariedade e a compaixão como atributos.
O presente artigo significa uma reflexão que contrapõe as necessidades emergenciais de um modelo que se auto implode como resultado da sua insustentabilidade e o mercado ESG que se cria em meio a indicadores, frameworks e ratings para ranquear o desempenho socioambiental ou sustentável das companhias, avaliadas por agências internacionais como MSCI, Bloomberg, e Sustenanalitycs dentre outras mais…
Mas será que efetivamente avançamos?
Aqui desfilam diversos autores estrangeiros pontuando contrassensos a nos fazer pensar que talvez ainda nos falte uma longa jornada rumo a uma nova sociedade que expectamos conhecer.
2. Organizações e maturidade
As organizações, tal como as pessoas, em suas inserções sociais, apresentam variados graus de maturidade claramente expressos e interpretáveis na análise das suas relações com as partes interessadas. Enquanto algumas envidam significativos esforços para estabelecer modelos de gestão inclusivo e horizontalizado, atuação socioambiental eficaz e revisão sistemática das suas operações pautadas no princípio da melhoria contínua, como esteira de reavaliação e reposicionamento, outras se mostram escravas absolutas da inação. Entre uma classe e outra, amontoam-se miríades de empresas apresentando os mais variados graus e nuances, incluindo aquelas que se perdem em meio a autodeclarações vazias de conteúdo e mesmo aquelas com certificações “em dia” que não condizem com a realidade concreta de um cotidiano caótico.
A grande questão que se apresenta é a capacidade que uma organização realmente tem de absorver valores e conceitos adstritos a um modelo de sustentabilidade plena que de fato seja inclusivo tanto no campo social, quanto ambiental, e ainda das melhores práticas de gestão administrativa (ética, transparente, aderente às normas legais).
O quanto a empresa definitivamente se deixa permear por esses valores ao ponto de vivenciar uma transmutação em tempos de desespero pandêmico por lucros, não importando o custo social.
Quantas organizações efetivamente avaliam seu papel no contexto atual e atrelam seus planejamentos a uma ética contemporânea consciente e intergeracional?
Muitos nos questionam acerca dos passos para se atingir o tal “estado ESG”, pressupondo simplesmente o interesse, quase exclusivo, na atratividade financeira em detrimento do compromisso concreto com um novo modelo de sociedade, que começa na efetiva adoção dos princípios da sustentabilidade socioambiental. Aquelas organizações que primeiro compreenderem o que aqui é colocado, serão naturalmente identificadas pelos investidores e gestores de fundos.
Por via de consequência, aqui defendemos que as organizações realizem um movimento de dentro para fora e que seja ele sistêmico, contínuo e vigoroso no sentido de revisarem seus valores norteadores;
(I) Aperfeiçoando suas crenças e práticas constituintes do relacionamento com as partes interessadas;
(II) Introduzindo um modelo de gestão transparente, ético e aderente às normas legais, tendo a política de compliance como a espinha dorsal para tal;
(III) Investindo no relacionamento com pessoas, de maneira que contemple o respeito à pessoa humana, aos seus direitos inalienáveis e a inclusão de práticas que incorporem um mínimo de compaixão;
(IV) Uma nova abordagem no uso dos recursos naturais que incorpore o sentido de responsabilidade, próprio de usuário-usufrutuário de bens insubstituíveis, finitos, mutáveis, interconexos, multissistêmicos e multidimensionais.
Como dito alhures, quando a organização fizer esse movimento, noticiando suas experiências e conquistas, os investidores e gestores de fundos as encontrarão, buscando interpretar em suas operações o baixo risco associado, por sinal muito desejado.
3. ESG versus sustentabilidade: O universo dos indicadores e ratings
O conceito de investimentos sustentáveis e responsáveis expressa que todo investimento deve ser baseado no código de ética do investidor, em grande parte, a alocação de investimentos em empresas mais sustentáveis, na quais a análise das práticas éticas é baseada nas pontuações ambientais, sociais e de governança corporativa, fornecidas por agências de classificação[1].
As agências de classificação ESG examinam os negócios e avaliam o desempenho da sustentabilidade corporativa, usando suas próprias metodologias de pesquisa, sendo que tal expertise transformou as agências de rating ESG em uma referência fundamental para empresas, mercados financeiros e para a academia em termos de avaliações de sustentabilidade corporativa.
Dessa maneira, o mercado de classificação de sustentabilidade cresceu consideravelmente na última década.
A questão que se apresenta é que, se tais agências estiverem insertas nessa relação apenas como atores econômicos, as mensagens lançadas essas agências podem comprometer fortemente a credibilidade e importância de um movimento que tem potencial transformador[2]. Pesquisas sugerem que a forma como se elabora a pontuação ESG na medição da sustentabilidade corporativa oferece uma vantagem para empresas maiores com mais recursos, e por outro lado, não fornece aos investidores as informações necessárias para a tomada de decisão.[3]
Não são poucos os artigos, nos quais seus autores sugerem uma evidente falta de convergência dos conceitos de medição ESG, apontando que os diferentes ratings não coincidem em distribuição nem em risco.[4] Também parece ser notório que as carteiras ESG não apresentam uma diferença significativa de retorno entre empresas com ratings ESG alto e baixo, sendo que os investidores dificilmente conseguem explorar essa relação e no final das contas, a magnitude e a direção do impacto dependem substancialmente do provedor de classificação, da amostra da empresa e do subperíodo específico[5].
O flagrante e substancial desacordo entre as agências de classificação sobre qual classificação atribuir a empresas individuais descortina o fato de que os avaliadores discordam mais sobre as métricas de resultados ESG do que as métricas de entrada (políticas), e que a divulgação parece amplificar mais a discordância para os resultados. [6]
4. Nos labirintos de Versalhes
Com um misto de surpresa, indignação e mesmo uma certa curiosidade, nos postamos a observar o cenário do dito “mercado ESG”, no qual reina uma mixórdia de conceitos, práticas “alienígenas”, cursos com especialistas de “última hora” e um sem número de conceitos, discussões, proposição, indicadores, notas e tantas outras “peças”, que suscitam a reflexão sobre o que de fato está acontecendo e… Se de fato algo está mesmo acontecendo…
Percorrer os anúncios de vagas de emprego já nos proporciona um indicador do tamanho da confusão que reina. Uma olhada rápida nos descritivos de atividades e exigências para cargos como “Head de ESG”, “Gerente de ESG”, “Analista de ESG” e tantos outros, evidenciam como as empresas (de todos os portes) e seus gestores e pessoal de recursos humanos se acham completamente perdidos.
Assombra-nos os vários textos que querem nos convidar a uma verdadeira “corrida do ouro” (Califórnia – 1848 a 1855) quando a notícia sobre o ouro encontrado em Sutter’s Mill, atraiu cerca de 300 000 pessoas vindas de todas as partes dos Estados Unidos e do exterior, mas cabe aqui um alerta:
Não se trata de corrida pelo ouro, mas sim pela vida! Olhe para fora de sua janela e observe o clima….
Se não for suficiente, estude as contaminações sistêmicas, ou mais, contabilize os conflitos por água e recursos basilares da vida. Parece que nessa matéria nos vemos convidados a brincar nos labirintos verdes do Palácio de Versalhes.
Quem ganhará o jogo?
Conclusões
Os investidores se preocupam com o investimento ESG por pelo menos dois motivos:
(I) As práticas de investimento ético são ativamente promovidas;
(II) O investimento ESG é cada vez mais considerado para melhorar o desempenho de um portfólio gerenciado, aumentando os retornos e reduzindo o risco desse portfólio.[7]
A pesquisas de Christensen, Serafeim e Sikochi (2022) desnudam o fato de que o maior desacordo entre as agências de classificação ESG está associado à maior volatilidade de retorno, maiores movimentos absolutos de preços, e menor probabilidade de emissão de financiamento externo.[8]
Kotsantonis e Serafeim (2019) debruçaram-se sobre a questão da medição de dados e medidas, e de como as empresas os relatam, evidenciando como como as inconsistências levam a resultados significativamente diferentes ao analisar o mesmo grupo de empresas, fruto de diferentes abordagens de preenchimento de lacunas, levando a grandes discrepâncias e mais…
As divergências entre os provedores de dados ESG não são apenas grandes, mas na verdade aumentam com a quantidade de informações publicamente disponíveis.[9]
Conquanto adotar a Sustentabilidade como diretriz de negócios seja fundamental não apenas para a resolução e/ou mitigação de problemas nas sociedades complexas do mundo atual, o panorama traçado por grande número de pesquisadores, sobre os quais temos discorrido ao longo deste trabalho, evidenciam o quão longe ainda nos encontramos do ponto onde queremos estar.
É mister reconhecer que a plena aderência aos critérios já fartamente citados, leva as empresas a trilhar um caminho virtuoso, que lhes enseja a correção e/ou aprimoramento dos processos, controles e estratégias, traduzindo-se por um melhor desempenho operacional e financeiro ao longo prazo.
No começo da transformação da empresa “em ESG”, esta deverá investir em seus processos ligados às três letras, que a princípio poderá parecer um caminho sem porvir, mas o retorno positivo é extremamente provável e factível, no período de tempo diretamente proporcional ao grau de maturidade organizacional.
Aos gestores, cabe o alerta para não edificarem sobre o lodaçal, toda casa bem construída assim o é quando apoiada sobre um sólido alicerce em bom terreno.
O caminho a ser trilhado para uma empresa “ser ESG” deve ser também pautado numa base sólida de investimentos responsáveis e monitoramento constante do seu desempenho e do ambiente externo.
Cabe atentar-se ao rumo, à direção e ao ritmo de caminhada. Publique relatórios anuais falando sobre as conquistas, selecione com cuidado os bons exemplos, defina os critérios e elabore metas com cuidado e clareza… mantenha o ritmo e a aceleração…. É bem possível que uma nota atribuída por alguém distante da sua realidade nem impacte no olhar que um investidor lança sobre sua empresa. No mais, você ainda pode sair ganhando pois, com certeza, tem mais a fazer do que brincar nos jardins de Versalhes…
Referências:
[1] BROADSTOCK, David C. et al. The role of ESG performance during times of financial crisis: Evidence from COVID-19 in China. Finance research letters, v. 38, p. 101716, 2021. (Tradução dos autores).
[2] HONG, Harrison; KACPERCZYK, Marcin. The price of sin: The effects of social norms on markets. Journal of financial economics, v. 93, n. 1, p. 15-36, 2009.
[3] TIMES, Financial. The ethical investment boom. James Kynge, September 7. 2017.
[4] PEDERSEN, Lasse Heje; FITZGIBBONS, Shaun; POMORSKI, Lukasz. Responsible investing: The ESG-efficient frontier. Journal of Financial Economics, v. 142, n. 2, p. 572-597, 2021. (Tradução dos autores).
[5] #vivipraver: a historia e as minhas…1ªED.(2021)
[1] DREMPETIC, Samuel; KLEIN, Christian; ZWERGEL, Bernhard. The influence of firm size on the ESG score: Corporate sustainability ratings under review. Journal of Business Ethics, v. 167, n. 2, p. 333-360, 2020. (Tradução dos autores).
[2] ESCRIG-OLMEDO, Elena et al. Rating the raters: Evaluating how ESG rating agencies integrate sustainability principles. Sustainability, v. 11, n. 3, p. 915, 2019. (Tradução dos autores).
[3] DREMPETIC, Samuel; KLEIN, Christian; ZWERGEL, Bernhard. The influence of firm size on the ESG score: Corporate sustainability ratings under review. Journal of Business Ethics, v. 167, n. 2, p. 333-360, 2020. (Tradução dos autores).
[4] DORFLEITNER, Gregor; HALBRITTER, Gerhard; NGUYEN, Mai. Measuring the level and risk of corporate responsibility–An empirical comparison of different ESG rating approaches. Journal of Asset Management, v. 16, n. 7, p. 450-466, 2015. (Tradução dos autores).
[5] HALBRITTER, Gerhard; DORFLEITNER, Gregor. The wages of social responsibility—Where are they? A critical review of ESG investing. Review of Financial Economics, v. 26, p. 25-35, 2015. (Tradução dos autores).
[6] CHRISTENSEN, Dane M.; SERAFEIM, George; SIKOCHI, Anywhere. Why is corporate virtue in the eye of the beholder? The case of ESG ratings. The Accounting Review, v. 97, n. 1, p. 147-175, 2022. (Tradução dos autores).
[7] BROADSTOCK, David C. et al. The role of ESG performance during times of financial crisis: Evidence from COVID-19 in China. Finance research letters, v. 38, p. 101716, 2021. (Tradução dos autores).
[8] CHRISTENSEN, Dane M.; SERAFEIM, George; SIKOCHI, Anywhere. Why is corporate virtue in the eye of the beholder? The case of ESG ratings. The Accounting Review, v. 97, n. 1, p. 147-175, 2022. (Tradução dos autores).
[9] KOTSANTONIS, Sakis; SERAFEIM, George. Four things no one will tell you about ESG data. Journal of Applied Corporate Finance, v. 31, n. 2, p. 50-58, 2019. (Tradução dos autores).
Sobre os Autores
José Maria Bernardelli Junior
Consultor técnico, palestrante e professor universitário. Atua como consultor em gestão ambiental, em gestão por processos e operações turísticas (Hotelaria, aviação, eventos e tours). É Mestre em Administração – Gestão Ambiental e sustentabilidade (Uninove), com formação em Gestão Ambiental (FMU), MBA em Gestão Estratégica em Meio Ambiente (Mauá), e também, designer de sustentabilidade urbana (Gaia Foundation/UMAPAZ). É Professor convidado nos programas de pós-graduação da Universidade Nove de Julho – UNINOVE (Cursos: Engenharia Ambiental, Engenharia de Avaliações e Perícias e Engenharia de Segurança do Trabalho).
Marcelo Suster
Mestre em Tecnologia Ambiental/IPT MBA em Gestão Empresarial/FGV MBA em Marketing/ESPM Especialização em Tecnologia e Ciência de Materiais Vítreos/Friederich Schiller Universität- Alemanha Engenheiro de Materiais/UFSCar Técnico em Materiais Cerâmicos/SENAI. Atual Diretor de Negócios da Ecouniverso. Experiência em palestras, cursos e treinamentos Escolas/Universidades: IPT- Faculdade Oswaldo Cruz, Universidade Federal de Sergipe, USP- São Carlos, UFSCar- Univ. Fed. De São Carlos FATECs e ETECs Entidades/Associações: Instituto Paula Souza, ABIPLA (Associação Brasileira das Industrias de Produtos de Limpeza e Afins), ABRE- Associação Brasileira de Embalagens, ABC- Associação Brasileira de Cerâmica, ABAL- Associação Brasileira de Alumínio e Instituto UMAPAZ (Prefeitura da cidade de São Paulo).
Viviani Bleyer Remor
Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina (1988)., especialização em Políticas Públicas pela Universidade do estado de Santa Catarina e Mastère Specialisé en Management de LInnovation – Bresil – Ecole Nationale Supériuere des Mines Saint -Etienne – França. Implantou e coordenou a área e os programas socioambientais do Grupo Celesc, palestrante no VIII Cedelef – Convencion de Distribuidores de Energia -Perú, na Companhia de Melhoramentos da Capital – COMCAP, nos Seminários de Melhores Práticas em responsabilidade Social da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica. Militante de Direitos Humanos e de Inclusão Social. Consultora Independente em Sustentabilidade.
Serviço
Curso de Análise de Maturidade ESG para o Agronegócio
Datas: nos dias 07, 08, 09 e 10 de março de 2022
Modalidade: EAD (Educação à Distância) Online
Organização: Synergia Treinamentos
Informações detalhadas deste curso: NESTE LINK
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Crédito:
Opinião de Especialista | Ambiental Mercantil O canal mais ambiental do Brasil