Opinião de Especialista: Como desenvolver uma estratégia integrada de gestão de cheias às bacias hidrográficas no Rio Grande do Sul

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A Governança das Águas e a articulação para as ações

O poder público tem a responsabilidade de definir as políticas públicas para sinalizar à população as melhores decisões e fazer cumprir ações tendo o bem comum como objetivo maior. No contexto atual, um dos maiores desafios para construir a estrutura de articulação para o portfólio de ações da gestão de cheias é coordenar a implementação dos instrumentos de gestão já disponíveis, que dependem do fortalecimento da governança da água.

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O próprio Marco de SENDAI para redução de riscos de desastres traz como prioridade o fortalecimento da governança do risco de desastres, porém é importante pensar e agir de forma ainda mais abrangente, melhorando a governança da água como um todo.

Figura 2. Princípios da OCDE para a Governança da Água. Fonte: OCDE (2015)

A governança da água envolve a capacidade do governo de articular a gestão de recursos hídricos com as diversas áreas que impactam as águas, integrando diferentes setores, níveis da administração pública, envolvimento e participação da sociedade e controle social (Bezerra e Silva et al, 2019), apoiada nos pilares da eficácia, eficiência, confiança e comprometimento (OCDE, 2015).

Ambas a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH, Lei Federal No 9.433/97) e a Política Estadual de Recursos Hídricos (Lei Estadual no 10.350/94) têm como objetivos proteger a população contra o efeito de eventos críticos como cheias. Para atingir esses objetivos, ambas as políticas dispõem de diretrizes e instrumentos de gestão. A implementação desses instrumentos deve ser integrada aos demais da Lei No 10.257/01 (Estatuto das Cidades), Lei No 6938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) e a Lei No 14026/20 (Marco Legal do Saneamento).

Como exemplo, a lei 10.350/95 (Política Estadual de Recursos Hídricos do RS) traz como diretriz o incentivo financeiro aos municípios afetados por áreas de proteção ambiental de especial interesse para os recursos hídricos. Isso permite que áreas de várzea, além de outras áreas presentes nas planícies de inundação, sejam avaliadas quanto ao seu potencial de amortecimento de cheias, e pensados mecanismos de compensação. Recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos do estado, além de outros, podem ser empregados para viabilizar tais mecanismos.

Planos integrados de gestão de risco de inundações

Segundo Sayers et al (2014), enquanto que o desenvolvimento de qualquer estratégia é específico ao local, a estrutura de análise, ou o modelo, deve ser adaptável a todas as situações. No contexto do Brasil, caberia ao estado a proposta e concepção do modelo de Gestão Estratégica de Cheias e portfólio geral de ações, buscando diretrizes e diagnóstico no Plano Estadual de Recursos Hídricos.

Uma vez definido o modelo de gestão, cabe aos municípios engajar, propor, pactuar e implementar ações e instrumentos mais específicos (na forma de um portfólio específico de ações) no escopo das decisões que lhes cabem (planejamento do uso do solo, licenciamento, concessão de serviços de saneamento, dentre outros), concebendo um plano integrado de gestão de risco de inundações (2). Por sua vez, o plano integrado de gestão de risco de inundações dará subsídios para os Planos diretores de Drenagem Urbana (PDDU), contribuindo para que soluções ainda mais específicas, incluindo técnicas compensatórias de drenagem (Charlesworth et al, 2016; Batista et al, 2015), possam ser implementadas para reduzir impactos internos na área urbana e também de jusante (3).

(2) Existem exemplos como o plano diretor de macrodrenagem da bacia do Rio Capivari e o Plano de Gerenciamento de Risco elaborado no caso do Paraíba do Sul.

(3) No contexto de grandes rios e cheias de grandes proporções, como é o caso da cheia de 2024 no RS, o efeito dessas técnicas a jusante é desprezível, entretanto ainda existem potenciais benefícios para o sistema de drenagem urbana e redução em risco de alagamento, que é ainda mais crítico quando as condições de escoamento da cidade para o rio estão comprometidas devido à cheia (controle de jusante).

A articulação entre municípios deve ser dar no contexto das bacias hidrográficas, se aproveitando da figura dos Comitês de Bacia como parlamento para pactuar soluções de interesse comum e do Plano de Bacias como instrumento norteador e definidor de diretrizes gerais para o plano integrado de gestão de risco de inundações. O Plano de Bacias tem ainda a importante função de dar a cada município um melhor entendimento sobre os riscos e oportunidades presentes na bacia. Ao mesmo tempo, deve haver uma articulação com o estado, na figura do órgão gestor estadual, para que o plano integrado de gestão de risco de inundações siga o modelo de Gestão Estratégica de Cheias preconizado.

Isso é necessário para evitar que ações de proteção contra cheia entrem em conflito com outros objetivos importantes na bacia, produzam riscos para outros municípios e também para aproveitar sinergias entre ações (por exemplo, a presença de várzeas e áreas úmidas contribui não apenas para o amortecimento de cheias como também para a melhoria na qualidade da água.

Em vários exemplos no Brasil, planos integrados de gestão de risco de inundações (ou equivalentes) foram elaborados (ou contratados) por Agências de Água, entes previstos legalmente que também tem a responsabilidade de elaboração dos planos de bacia. Na ausência das agências de água, que é o caso do Rio Grande do Sul, o plano integrado de gestão de risco de inundações poderia ser contratado por um consórcio criado pelos municípios cujo território faça parte da bacia, desde que haja a articulação necessária com o comitê para tomar diretrizes do Plano de Bacia.

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