OPINIÃO DE ESPECIALISTA: Como desenvolver uma estratégia integrada de gestão de cheias às bacias hidrográficas no Rio Grande do Sul

Os municípios

Baixar em PDF: Mapa geopolítico do estado do Rio Grande do Sul | IBGE 2015

É atribuição dos municípios elaborar, aprovar e fiscalizar instrumentos relacionados com o ordenamento territorial. Exemplos incluem planos diretores, zoneamento, parcelamento do solo com a delimitação de zonas industriais, urbanas e de preservação ambiental, além do desenvolvimento de programas habitacionais e planos para sistemas de transporte urbanos. Praticamente todas essas atividades trazem algum nível de reflexo para os recursos hídricos e riscos associados, seja localmente como alagamentos em bacias urbanas, ou em maior escala, quando os efeitos do uso do solo e planícies de inundação em vários municípios são combinados.

Apesar disso, municípios não dispõe de competência legal para gerenciar diretamente os recursos hídricos presentes em seus territórios, excetuando casos específicos de delegação de atribuições voa convênios de cooperação com estados ou união (Carneiro et al, 2008). Esse contexto legal mostra que os municípios devem participar no processo de gestão da água para a proteção contra eventos críticos utilizando o espaço dos comitês de bacia, em observância ao Art. 13 inciso II da Política Estadual de Recursos Hídricos, Lei No 10.350/94.

O Estatuto das Cidades coloca o Poder Público municipal como o principal executor da política de desenvolvimento nacional, responsável por construir cidades sustentáveis e assegurar aos cidadãos segurança e acesso aos serviços públicos. O Estatuto traz um grande número de instrumentos que são úteis para políticas urbanas que ajudem a construir resiliência a eventos extremos (tanto de cheia quanto de secas). Ao participar ativamente dos comitês de bacia e da elaboração dos planos de bacia, municípios podem contribuir na validação dos diagnósticos, proposição de ações, compartilhamento de dados, informações e apresentação de demandas, especialmente no que diz respeito às expectativas de uso de planícies de inundação e uso da água.

A participação na elaboração do plano de bacias é também uma oportunidade para que cada município entenda melhor os riscos e vulnerabilidades impostas ao mesmo pelas características da bacia, e possa elaborar o seu planejamento urbano integrado ao processo de Gestão Estratégica de Cheias, incluindo também proteção de mananciais.

O engajamento dos municípios é também essencial para a identificação de ações e projetos integrados, o que pode trazer economicidade e compartilhamento dos riscos com outros municípios a montante ou a jusante.

A seguir são apresentados alguns exemplos de instrumentos de planejamento no contexto do município.

Plano Diretor (PD). Trata-se do principal instrumento de planejamento das cidades, que determina as estratégias de crescimento e os regramentos urbanísticos das cidades para assegurar o seu funcionamento conforme as características locais. Entretanto, municípios apresentam notórias dificuldades e limitações para elaborar e implementar instrumentos dessa natureza. Como consequência, Planos Diretores acabam perdendo a sua função mais importante, a estratégica, necessária para estabelecer os mecanismos para mitigar alguns dos riscos.

Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC). A OODC tem duas funções importantes no planejamento das cidades. Uma é como instrumento de gestão do território, outra como um instrumento de financiamento. Esse instrumento atua no coeficiente de aproveitamento (CA), que é a relação entre a área do terreno e a área construída. A OODC faculta ao empreendedor pagar ao município para receber a autorização de construir no terreno uma área superior ao coeficiente de aproveitamento básico, porém dentro do limite estabelecido (CA máximo). No contexto de proteção contra cheias, A OODC permite que o município cobre pelo uso adicional do solo urbano, por exemplo em áreas onde forem necessárias medidas e infraestrutura adicional de proteção, e use os recursos para ajudar a financiar essas medidas.

Sob uma outra visão, construções e empreendimentos que adotarem GBI (Green-Blue infrastructure) ou soluções baseadas na natureza (SbN) em seus projetos, que contribuam para armazenar água ou amortecer o escoamento poderão receber desconto no pagamento da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC). O Plano diretor de 2019 em Belo horizonte é um exemplo relatado em Drummond et al, (2023). Outros exemplos de instrumentos podem ser encontrados em Carneiro (2008), detalhados a seguir no contexto de cheias e inundações.

Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios: Obrigatoriedade de parcelar, edificar ou utilizar o solo urbano, estimulando o adensamento de áreas onde já existe infraestrutura de modo a reduzir a pressão sobre outras áreas críticas ambientalmente, a exemplo de áreas com riscos de inundações.

Imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo: Busca incentivar, com emprego de estímulo econômico, a utilização do solo urbano, a fim de evitar a não utilização ou a subutilização da propriedade. O efeito é um aumento progressivo do IPTU no tempo. Como resultado contribui para reduzir a pressão outras áreas críticas ambientalmente, a exemplo de áreas com riscos de inundações.

Desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública: Prevê que propriedades que não cumpriram a utilização compulsória após decorridos cinco anos de aplicação do IPTU progressivo sejam desapropriadas. Assim como o importo predial progressivo, este instrumento contribui para que o espaço urbano cumpra a sua função social, o que evita a subutilização de terras. Uma vez desapropriadas, as propriedades podem receber famílias moradoras de áreas de risco realocadas, ou ainda ser utilizadas como áreas empregadas na minimização de riscos de inundações, seja mediante a instalação de parques urbanos inundáveis, reservatórios de detenção ou ainda áreas que aumentem a infiltração das águas.

Direito de preempção: O poder público municipal tem preferência na compra de imóveis urbanos, permitindo a compra de áreas para realocar famílias em zonas de risco ou para minimizar os riscos de inundações. Isso pode ser feito através da instalação de estruturas de controle, como bacias de detenção e retenção e dispositivos de infiltração. A combinação dessas estruturas com a criação de áreas verdes e espaços públicos para atividades de lazer permite ampliar o impacto positivo e é altamente desejável, assegurando múltiplos usos.

Transferência do direito de construir: No caso de propriedades sujeitas a restrições ao uso do solo, a transferência do direito de construir faculta ao proprietário do imóvel a transferência do direito de construir para outro local. Tal possibilidade evita a desvalorização de imóveis em áreas de interesse para a preservação. No contexto da proteção contra cheias, esse instrumento permite a um proprietário de áreas relevantes para o controle de inundações (várzeas, áreas úmidas e faixas marginais), a transferência do direito de construir sobre essas áreas para outro local, mitigando possíveis perdas econômicas decorrentes da restrição de uso.

Operações urbanas consorciadas: Envolve um conjunto de intervenções e medidas, coordenadas pelo município, buscando preservar, recuperar ou transformar áreas urbanas mediante a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados. Este instrumento possibilita ao poder público traçar estratégias de controle de inundações, tonando possíveis fontes de recursos que podem ser aplicadas na mesma área em que foi negociada a operação.

Estudo de impacto de vizinhança: Tem como objetivo a avaliação dos efeitos positivos e negativos decorrentes da implantação de novos atividades ou empreendimentos na qualidade de vida da população residente na área e em suas proximidades. No contexto das inundações, esse instrumento permite que contrapartidas para mitigação dos impactos sobre o ciclo hidrológico sejam estipuladas pelo poder público (incluindo a exigência de medidas compensatórias dos efeitos negativos da impermeabilização de superfícies e ocupação de várzeas e áreas úmidas.

Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS): Tem como objetivo reduzir as pressões urbanas sobre áreas de risco, mediante a criação de zonas especiais de interesse social. Essas são áreas bastante visadas para invasão e ocupação irregular. A aplicação do instrumento dá mais possibilidades para políticas de habitação voltadas para inclusão urbana da população de baixa renda. O instrumento pode estabelecer padrões de construção para a adaptação às inundações (onde possível), além de medidas compensatórias para o controle de inundações. O resultado é uma ocupação que pode tanto contribuir para reduzir a exposição dos moradores aos perigos da inundação, quanto reduzir possíveis impactos do adensamento no ciclo hidrológico. Finalmente, é um instrumento que legaliza famílias alocadas em áreas irregulares e de risco – onde for possível a convivência com o risco (4), possibilitando um maior controle do uso do solo pelo município.

(4) Normalmente inclui áreas cuja inundação tem menor velocidade, menor poder destrutivo e maior tempo de reação e resposta para evacuação. Áreas de risco geológico, deslizamentos, movimentos de massa, enxurradas e escoamentos de alta velocidade não se aplicam.

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As bacias Hidrográficas

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