Saneamento, de bem com a vida #17: Universalização: ilusão ou realidade em construção?

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Álvaro Costa é engenheiro civil e consultor. Escreve como Colunista do editorial AMBIENTAL MERCANTIL ÁGUAS E SANEAMENTO
Álvaro Costa é engenheiro civil e consultor. Escreve como Colunista do editorial AMBIENTAL MERCANTIL ÁGUAS E SANEAMENTO

Imagem: Divulgação | Álvaro José Menezes da Costa, Engenheiro Civil, MSc em Recursos Hídricos e Saneamento, CP3P, contribui com insights valiosos sobre o setor de Águas e Saneamento em sua coluna, enriquecendo o editorial da AMBIENTAL MERCANTIL

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AMBIENTAL MERCANTIL

Agosto de 2024 – Em julho passado festejaram-se os quatro anos de vigência do novo marco regulatório do saneamento, notadamente para as vertentes de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Esta quadrienal comemoração exalta, de certa forma, o vício de origem da formatação do novo marco regulatório como a solução das soluções, que em pouco tempo acabaria com todos os prestadores de serviços públicos – ineficientes ou não – e levaria as empresas privadas a assumir o monopólio nacional pela prestação dos serviços de água e esgotos, mesmo que este não seja o objetivo da iniciativa privada em suas projeções de mercado.

Não há como negar que o novo marco oxigenou o setor de saneamento, rompendo o torpor gerencial que mantinha algumas companhias estaduais e alguns serviços municipais parados no tempo, e na ilusão de que poderiam ser recuperados ou poderiam atingir metas de universalização seguindo o já ultrapassado modelo PLANASA (1967), que cumpriu bem o seu papel.

Desde a discussão sobre a formação do novo marco até sua implantação a partir de 2020, houve uma importante mobilização em busca de soluções para a sociedade e não somente para determinado tipo de operador.

Porém, a medida para avaliar o resultado do novo marco são os quatro anos e o que ocorreu neste período? Se é, quais serão os indicadores que podem possibilitar uma avaliação desses resultados?

Isoladamente, é possível ver a mudança nos índices de atendimento como uma consequência quase que natural e simples da substituição de operadores ineficientes com perdas aparentes e reais elevadas, com ineficiência gerenciais graves e dominados por interesses eleitorais e/ou sindicais, por operadores privados mais ágeis na gestão operacional e comercial dos sistemas que assumiram e super competentes, em geral, na otimização de CAPEX e OPEX. Rapidamente a atualização do cadastro comercial, a instalação de hidrômetros, a fiscalização e a cobrança mudam cenários e trazem resultados com reflexos, em alguns casos, no caixa dos acionistas.

Como avaliar os resultados do novo marco regulatório em quatro anos?

Uma das formas pode ser pela medição do grau de universalização, porém isto não pode ser simplesmente feito com a avaliação de CAPEX/habitante, porque ela é um processo que se inicia com um bom planejamento, projetos de modelagem realistas para concessões e PPPs, a existência de instrumentos legais como o próprio marco, a atuação ativa e competente de agências reguladoras e a gestão dos serviços envolvendo ativamente contratantes e contratados, para cumprimento das metas pactuadas.

Entretanto, uma das coisas mais faladas atualmente é a quantidade de investimentos feitos e a realizar até 2033, conforme estabelecido no novo marco como ano meta da universalização dos serviços.

Olhar para o que foi feito é sempre interessante para avaliar a realidade do presente e o que poderá vir no futuro. De acordo com o SNIS (SINISA), entre 2007 e 2022, os operadores de qualquer tipo investiram R$15,7 bilhões/ano; entre 2007 e 2019 este valor caiu um pouco, ficando em R$ 15,3 bilhões/ano e entre 2020 e 2022, investiram-se R$ 17,8 bilhões/ano, indicando a tendência fartamente abordada sobre a melhoria do valor a ser investido por ano com as novas concessões e outros modelos que estão contratados. O gráfico a seguir mostra a variação dos investimentos desde 2007, atualizados pelo IPCA.

Nota-se de fato que a partir de 2020 houve avanços e há uma tendência, avalizada pelos valores já contratados nas concessões recentemente iniciadas e nas que estão planejadas, bem como em modelos diferenciados como os da SABESP e CORSAN, bem favorável ao aumento de investimentos por ano. Sem dúvidas, a expectativa, espera-se que seja uma certeza, é de que a maior parte desse aumento venha das concessões entregues a iniciativa privada. O gráfico adiante obtido do Panorama 2024 da ABCON/SINDCON sobre a participação do setor privado no saneamento, mostra que a média da média dos investimentos anuais feitos por operadores privados no montante do valor investido por todos os tipos de operadores foi 22,5% entre 2013 e 2022, 23% entre 2013 e 2019 e 21,3% entre 2020 e 2022.

Os números no mercado indicam que até 2033 certamente haverá um aumento no investimento anual, que só será conhecido ano a ano, porque como os estudos que embasaram as concessões e PPPs são referenciais, não dá para precisar com que valor se alcançará a universalização em cada contrato porque, como é lógico, serão feitas otimizações, buscadas soluções técnicas/ tecnológicas mais econômicas e de baixo custo onde couber, alterando sensivelmente a relação de R$/habitante investido, sem necessariamente comprometer a universalização ou postergá-la por cinquenta anos.

Sem dúvidas neste aniversário de quatro anos a universalização, pedra fundamental do novo marco, precisa ser compreendida e trabalhada conforme as realidades nacional, regionais e locais, considerando as condições sociais, ambientais, econômicas e de localização de cada contingente populacional abrangido nos contratos. Afinal, o modo de alcance da universalização não pode ser medido da mesma forma para áreas rurais e urbanas ou em São Paulo e no Norte do Brasil, além é claro de se entender claramente que CAPEX não é o fator mais relevante para definir o horizonte de universalização isoladamente.

A história mostra que nos países onde a universalização já existe, o processo não foi imediato ou houve de repente uma mudança de cenário nacional em pouco tempo. O próprio exemplo do PLANASA e as concessões iniciadas em 1995 para a iniciativa privada, são um bom exemplo de como casos reais podem ajudar a gerenciar o presente pelo e para o futuro. Os rankings de saneamento da ABES e do Trata Brasil, mostram municípios onde já há universalização de abastecimento de água e alguns casos de esgotamento sanitário também. Ou seja, 2033 certamente não será a data de universalização para muitos municípios, atestando a máxima empresarial de que é necessário planejar, executar, controlar e ajustar projetos e contratos para seguir rumo a universalização.

Efetivamente, após estes quatro anos, nota-se a falta de uma avaliação do poder público sobre a realidade dos contratos de concessão firmados desde 2020. Fala-se de avaliação em tempo real, com base no acompanhamento dos contratos pelas agências reguladoras e contratantes com base neste cenário criado pelo novo marco, que colocou nas mão de operadores privados um contingente populacional e responsabilidades por investimentos desafiadores.

Por fim, não é demais repetir que os modelos contratados, embora com algumas variações, repetem o formato de terem a outorga onerosa como critério único de julgamento, deixando de lado os riscos que isto representa para os investimentos e a tarifa, além de desprezar qualquer qualificação técnica e operacional. Assim, a comemoração é mais racional se for festejada pelo que ainda virá do que pelo que já aconteceu, visto que isto não está sendo medido por nenhum tipo de órgão fiscalizador, restando a sociedade conhecer os resultados nos sites das próprias operadoras.

Sobre o colunista

Álvaro José Menezes da Costa é Engenheiro Civil, MSc em Recursos Hídricos e Saneamento, CP3P. Especialista em Aproveitamento de Recursos Hídricos e Avaliação e Perícias de Engenharia; é autor de livro e capítulos de livros publicados sobre Gestão de Serviços e Reúso de Águas.

Álvaro José Menezes da Costa, Engenheiro Civil, MSc em Recursos Hídricos e Saneamento, CP3P
Álvaro José Menezes da Costa, Engenheiro Civil, MSc em Recursos Hídricos e Saneamento, CP3P

Desde 1985 é membro da ABES- Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, e desde 2008 atua como diretor nacional. Em 2015 fundou a AMEC – Álvaro Menezes Engenharia e Consultoria, desenvolvendo estudos de modelagem para contratos de PPP, concessão, performance para redução de perdas, engenheiro independente, coordenador e instrutor em cursos de capacitação em regulação e PPP. Contato via LinkedIn.

Site oficial: 
https://www.amecengenhariaeconsultoria.com.br

Álvaro Costa é um colunista que compartilha suas reflexões sobre os setores de água, saneamento e recursos hídricos na AMBIENTAL MERCANTIL. Seus artigos, podem ser lidos neste link exclusivo:

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