Reciclável ou biodegradável? O desafio oculto por trás de rótulos “verdes e sustentáveis”

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  • A falsa dicotomia entre produtos recicláveis e biodegradáveis revela os complexos desafios da gestão de resíduos no Brasil, onde promessas ambientais nem sempre se concretizam na prática.

Imagem: Divulgação | Por Simone Horvatin – Redação Ambiental Mercantil Notícias

Abril de 2025 – Quando o consumidor se depara com um produto rotulado como “100% reciclável” ou “biodegradável”, a primeira reação geralmente é de alívio — afinal, são palavras associadas à sustentabilidade. Mas a realidade está longe de ser tão simples. Um produto pode ser tecnicamente reciclável, mas isso não significa que será reciclado na prática. E um item biodegradável pode acabar em um ambiente onde não existem condições para sua decomposição efetiva.

Destino final: o calcanhar de Aquiles da sustentabilidade

No Brasil, apenas 4% dos resíduos sólidos urbanos são efetivamente reciclados, embora pesquisas apontem que 55% da população declare intenção de reciclar mais em 2025. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (SINIR), o país gerou aproximadamente 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos em 2023, com apenas 3,2 milhões de toneladas efetivamente encaminhadas para reciclagem.

A maioria dos resíduos potencialmente recicláveis ainda vai parar em aterros sanitários, lixões ou no meio ambiente, onde a reciclagem não ocorre. Produtos biodegradáveis também enfrentam obstáculos significativos: sua decomposição depende de condições específicas (umidade, temperatura, presença de microrganismos), raramente encontradas em aterros comuns.

Normas como a ASTM D5511 (equivalente à ISO 15985) atestam biodegradabilidade apenas em ambientes controlados, como unidades de compostagem industrial ou biodigestores, infraestruturas ainda escassas no Brasil. Na compostagem industrial, os resíduos são processados sob condições controladas de temperatura, umidade e aeração, acelerando a decomposição de materiais orgânicos com auxílio de microrganismos.

O que diz a legislação brasileira?

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – Lei nº 12.305/2010) institui a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, envolvendo fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos. Todos devem garantir o destino ambientalmente adequado dos resíduos.

Porém, na prática, a responsabilidade frequentemente recai sobre o consumidor, que precisa lidar com informações técnicas insuficientes e rótulos pouco claros. O consumidor sem informação adequada, e em meio a um mar de marketing verde, toma decisões baseado em alegações que nem sempre refletem o ciclo de vida real do produto.

A infraestrutura de coleta seletiva e triagem é insuficiente no país, e a logística reversa ainda depende fortemente do trabalho de catadores, com pouco apoio e reconhecimento. Segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABREMA), menos de 40% dos municípios brasileiros possuem algum tipo de coleta seletiva, mesmo após 15 anos da implementação da PNRS.

O perigo do greenwashing

Greenwashing ocorre quando empresas exageram ou distorcem benefícios ambientais de produtos ou processos, enganando o consumidor. Práticas comuns incluem:

  • Uso de termos vagos (“ecológico”, “verde”, “sustentável”) sem comprovação técnica;
  • Alegações de biodegradabilidade sem especificar tempo ou condições necessárias;
  • Rótulos de reciclabilidade incompatíveis com a infraestrutura local de coleta e processamento;
  • Certificações ambíguas ou sem reconhecimento técnico oficial.

Em pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) realizada em 2024, 48% dos produtos analisados apresentavam algum tipo de greenwashing nos rótulos, demonstrando como essas práticas são generalizadas no mercado brasileiro.

Como o consumidor pode se proteger?

  • Leia além do rótulo:
    Busque informações sobre o ciclo de vida do produto e sua destinação final. Verifique se há garantia de coleta seletiva ou compostagem industrial.
  • Desconfie de promessas absolutas:
    Termos como “100% ecológico” ou “zero impacto” são questionáveis, pois sustentabilidade é um processo contínuo.
  • Procure certificações reconhecidas:
    Selos como ISO 14001 (gestão ambiental), ABNT NBR 15448 (compostabilidade) e certificações reconhecidas pelo Inmetro são referências mais confiáveis.
  • Apoie soluções sistêmicas:
    Projetos que incluem educação ambiental, logística reversa, inclusão de catadores e responsabilidade pós-consumo são mais confiáveis do que apenas um novo tipo de material.

Educação ambiental: a base da transformaçãoA verdadeira revolução sustentável não virá de um novo plástico ou copo “verde”. Ela passa por educação, transparência e mudança de mentalidade coletiva. Reciclar ou biodegradar são apenas etapas de um problema muito maior: o consumo excessivo e o descarte irresponsável.

A escolha entre “reciclável” ou “biodegradável” precisa ser feita com consciência crítica. Em um mundo cada vez mais saturado por embalagens e discursos ambientais superficiais, o consumidor precisa se tornar um agente de transformação, exigindo informação clara, rastreabilidade e responsabilidade compartilhada.

Sustentabilidade não se imprime na embalagem — se constrói com coerência, transparência e compromisso com o ciclo de vida real dos produtos.

Referências

Dados oficiais de resíduos e reciclagem:

Legislação nacional:

Normas técnicas:

Certificações ambientais:

Pesquisas e estudos sobre greenwashing:

Estes links direcionam para as fontes oficiais onde é possível encontrar os dados e informações citados no artigo, permitindo verificação e aprofundamento nos temas abordados.

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