OPINIÃO DE ESPECIALISTA: O Brasil e suas balas de prata

Álvaro Costa é engenheiro e escreve como especialista sobre águas e efluentes, recursos hídricos e saneamento básico.
Álvaro Costa é engenheiro e escreve como especialista sobre águas e efluentes, recursos hídricos e saneamento básico.

Imagem: Divulgação | Álvaro José Menezes da Costa, Engenheiro Civil, MSc em Recursos Hídricos e Saneamento, CP3P

Junho de 2025 – Durante o 33º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental promovido pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) em Brasília, entre os dias 25 e 28 de maio passado, muitas palestras importantes foram feitas tendo sido possível conhecer e avaliar os avanços que têm ocorrido no Brasil nos últimos anos. Entre as palestras proferidas, duas chamaram atenção por voltarem a temas recorrentes na história do saneamento e meio ambiente nacionais.

A palestra da Ministra Marina da Silva chamou atenção para a forma como o Brasil, neste caso na área de meio ambiente e saneamento, segue agindo sob efeito do que ela apropriadamente chamou de “síndrome da bala de prata” ou “síndrome da panaceia“. Acertou em cheio, porque de fato vive-se periodicamente sob efeito dessas síndromes, quando se aposta tudo em soluções que são apresentadas como aquelas que darão fim a todos os males.

O PL 2.159/2021, circulando na Câmara dos Deputados desde 2004, como tudo na vida tem seus pontos positivos e negativos, chamando atenção como provavelmente negativos, a dita flexibilização do licenciamento ambiental sob o argumento de que há muita demora na tramitação dos processos e etapas para obtenção das licenças prévias, de instalação e de operação.

É verdade que há demoras inexplicáveis que vêm desde projetos mal elaborados, até interesses de retardar as licenças por motivos e motivos.

Criação, caso se aprove, de licenciamentos especiais ou por auto declaração, dispensas de licenciamento ou de autorizações locais para desmatamento de áreas de mata atlântica podem até ajudar empreendimentos que possuem projetos pouco detalhados, mas certamente aumentará o risco de misturar as boas empresas com as oportunistas e levar a danos irreversíveis para a sociedade e meio ambiente.

Interessante é observar que a bala de prata utilizada via instrumento legal não esteja apontada também para a situação dos órgãos ambientais que fornecem as licenças, pois, não é novidade, que muitos deles são capturados por interesses políticos eleitorais ou ideológicos, comprometendo a gestão desses órgãos. Também não é novidade, que há alguns anos vem havendo pouco investimento dos governos em qualificação e dimensionamento do quadro de pessoal para atender às demandas para licenciamento e fiscalização.

Ou seja, parece que a bala de prata que poderá vir com a futura lei, pensa em acelerar os licenciamentos esquecendo que os responsáveis pela sua liberação devem ser os mesmos de sempre. A gestão dos órgãos licenciadores está imune à bala de prata.

Outra palestra que chamou atenção foi a do Ministro Jader Barbalho Filho, muito atento a situação do saneamento básico no Brasil e dedicado a apoiar os projetos e atividades que possam levar à universalização. Entre suas palavras, chamou atenção a velha afirmação de que não falta de dinheiro para financiar obras de saneamento no Brasil, porém, o baixo índice de utilização efetiva deste dinheiro por órgãos estaduais e municipais decorre da inexistência ou má qualidade dos projetos de engenharia apresentados pelos proponentes.

Verdade há quase quarenta anos, ratificada e laureada com os PACs I e II – Programa de Aceleração do Crescimento, quando houve recursos em quantidade superior aos anos anteriores e até hoje existem obras inacabadas deste período. Em termos práticos, como mostrou o Ministro, ele está preocupado porque pouco menos de 50% dos valores ofertados foram contratados e a preocupação também é sobre quantos de fato se transformarão em obras concluídas para atender a sociedade.

Um fato a ser considerado sobre a má qualidade e falta de projetos é a desqualificação dada aos projetos ao longo dos últimos 20 anos.

Para tanto, poderia se questionar:

  1. Quantas empresas de consultoria fecharam suas portas?
  2. Qual o valor adotado em orçamentos para pagar por projetos de engenharia?
  3. Como os chamados projetos referenciais ou conceituais vêm ocupando o espaço dos projetos de engenharia completos?

Um outro fato relevante é que o Brasil, seus Estados e Municípios praticamente abandonaram planejamento de médio e longo prazos, fixando sua atenções nos de curto ou curtíssimo prazo. Planejamento tem tudo a ver com projeto, pois este é um dos instrumentos para tornar os planejamentos reais.

Além do mais, qual o governador ou prefeito que aceita a informação de que precisa pagar por um projeto de engenharia que pode durar 24 meses entre planejar, licitar, contratar e executar, para daí levar outro tempo maior para cortar a fita de inauguração?

É claro que já houve alguma flexibilização para contratação, mas alguns estudos e dimensionamentos não podem ser flexibilizados. A forma de contratação por “leilão” via pregão eletrônico também contribui para desqualificar os projetos, permitindo que qualquer um possa dizer que fez um projeto.

Ratifica-se a preocupação do Ministro com uma pergunta: como o MCidades pode ajudar a valorizar os projetos de engenharia para saneamento e outras infraestruturas?

Ainda observando as balas de prata que cruzam o horizonte nacional, merece atenção a popularização de PPPs – Parcerias Público Privadas para esgotamento sanitário, pois este tipo de contrato não é de fato a bala de prata, já que exige do contratante a assunção de compromissos com os quais, infelizmente, a maioria já lida com dificuldade, como por exemplo: garantias para o contrato, geração de receita no serviço de água para compensar a taxa de esgoto que a população passará a pagar, ampliação de sua eficiência comercial(cobrança, faturamento, redução de perdas) para pagar a contraprestação que é sustentada por conta vinculada e o exercício de gerenciar o contrato em efetiva parceria. Ou seja, a bala de prata de PPPs pode ser um tiro no pé do contratante que não tiver capacidade de gestão e pagamento.

Por fim, o anúncio da venda da SPE Consórcio Marco Zero, empresa do grupo EQUATORIAL, responsável pela gestão parcial dos serviços de água e esgotamento sanitário no Amapá, acende o alerta para a ilusão da bala de prata criada para aquele sofrido Estado, não porque o contrato está a mudar de dono, mas pelo risco de descontinuidade maior que a já esperada para alcançar a universalização.

Perguntas relevantes:

  1. Será que os modelos de licitação não carecem de maior proteção jurídica para a sociedade?
  2. E a seleção dos prestadores de fato está garantindo a melhor escolha?
  3. E as estruturas de regulação e fiscalização estão organizadas para cumprir os seus papéis nos contratos de concessão?

Como reflexão para a semana do meio ambiente, talvez mereça chamar a atenção para a oportunidade de melhorar fazendo de modo diferente o que se repete há anos. Balas de prata ou panaceias não são modelos de solução adequados ao Brasil.

Sobre o autor

Álvaro José Menezes da Costa é Engenheiro Civil, MSc em Recursos Hídricos e Saneamento, CP3P. Especialista em Aproveitamento de Recursos Hídricos e Avaliação e Perícias de Engenharia; é autor de livro e capítulos de livros publicados sobre Gestão de Serviços e Reúso de Águas.

Álvaro José Menezes da Costa, Engenheiro Civil, MSc em Recursos Hídricos e Saneamento, CP3P
Álvaro José Menezes da Costa, Engenheiro Civil, MSc em Recursos Hídricos e Saneamento, CP3P

Desde 1985 é membro da ABES- Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, e desde 2008 atua como diretor nacional. Em 2015 fundou a AMEC – Álvaro Menezes Engenharia e Consultoria, desenvolvendo estudos de modelagem para contratos de PPP, concessão, performance para redução de perdas, engenheiro independente, coordenador e instrutor em cursos de capacitação em regulação e PPP. Contato via LinkedIn.

NESTE LINK estão disponíveis as publicações passadas sobre o tema Água e Saneamento básico, de autoria do Eng. Álvaro Costa.

Site oficial: https://www.amecengenhariaeconsultoria.com.br

Os conteúdos publicados na seção Opinião de Especialistas da AMBIENTAL MERCANTIL NOTÍCIAS são de autoria independente e de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião da nossa redação.

Temas Relacionados

Sobre Ambiental Mercantil Notícias 6438 Artigos
AMBIENTAL MERCANTIL é sobre ESG, Sustentabilidade, Economia Circular, Resíduos, Reciclagem, Saneamento, Energias e muito mais!