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Imagem: Divulgação
Agosto de 2025 – Nos últimos meses, uma solução até então desconhecida começou a ganhar protagonismo nas discussões sobre crise climática e mercado de carbono: o biochar. Produzido a partir da queima controlada de resíduos orgânicos, como restos de madeira e resíduos agrícolas, esse tipo de carvão vegetal pode ser aplicado ao solo para melhorar sua fertilidade, além de atuar como reservatório estável de carbono por longos períodos. Devido à sua capacidade de fixar CO2, o biochar passou a ser considerado uma alternativa promissora para a remoção de carbono e já está sendo incorporado a projetos de compensação em larga escala. Um exemplo é a Microsoft, que anunciou recentemente a compra de mais de 1 milhão de créditos vinculados a essa tecnologia.
Embora o avanço de soluções baseadas na natureza e na ciência seja bem-vindo, é preciso abordar a solução do biochar com equilíbrio. Não se trata de questionar seu potencial, mas assegurar que sua aplicação seja feita com rigor científico, responsabilidade, transparência e compromisso ambiental — especialmente em um momento de rápida expansão do mercado voluntário de carbono, quando a integridade dos projetos é um ponto fundamental.
A eficácia do biochar como instrumento de remoção de carbono está condicionada a inúmeros fatores críticos: a origem da biomassa, as condições do processo produtivo, as características dos solos em que será aplicado e seus efeitos ainda não bem conhecidos. A ausência de metodologias robustas de mensuração, verificação e monitoramento pode resultar em créditos de carbono com benefícios climáticos questionáveis. Essa fragilidade técnica explica por que a credibilidade do mercado de carbono está intrinsecamente ligada à qualidade dos projetos e à total transparência de seus processos e negociações.
Outro debate urgente envolve a procedência da matéria-prima utilizada. O crescimento desregulado do mercado de biochar pode fomentar ações nocivas, como a exploração predatória de florestas nativas ou a expansão de monoculturas dedicada exclusivamente à geração de biomassa. O paradoxo nos levaria à produção de uma tecnologia concebida para mitigar as mudanças climáticas ao mesmo tempo em que agrava o problema que pretende resolver.
Pesquisas recentes alertam que a produção e aplicação do biochar pode alterar significativamente suas propriedades físico-químicas, gerando impactos ambientais em cascata. Entre os riscos identificados destacam-se: toxicidade para as plantas, alteração do efeito estufa atmosférico, aumento das concentrações de partículas deletérias no ar, eutrofização de meios aquáticos, migração e transporte de poluentes pela água e alteração da microbiota do solo. Esta lista importante de consequências negativas não deve ser negligenciada se o objetivo é a implementação em larga escala.
Também é fundamental observar os aspectos sociais envolvidos nesses projetos. Em muitos casos, o biochar está sendo produzido em regiões de maior vulnerabilidade socioeconômica, como comunidades rurais da América Latina e África. Nesses contextos, é essencial garantir que a implementação dos projetos seja feita com diálogo, respeito à soberania local e com repartição justa de benefícios.
O mercado de carbono é uma ferramenta legítima e necessária para acelerar a transição para uma economia de baixo carbono. E a compensação de emissões, quando baseada em critérios técnicos sérios e integridade ambiental, é parte fundamental dessa equação. Mas, para que esse mercado siga avançando com credibilidade, é preciso garantir que todas as soluções oferecidas como “créditos” sejam, de fato, eficazes. Isso inclui o biochar, que ainda carece de mais padronização, comprovação em larga escala e mecanismos de controle.
Confiar no mercado de carbono é confiar na ciência, na transparência e na responsabilidade socioambiental. O debate sobre o biochar, portanto, não é um entrave, é uma oportunidade para fazermos melhor. Se quisermos que os créditos gerados hoje representem soluções reais para o futuro, devemos olhar para cada tecnologia com entusiasmo, mas também com rigor.

Fernando Beltrame é mestre pela USP, engenheiro pela Unicamp e CEO da Eccaplan. Com mais de 20 anos de experiência em projetos de consultoria, sustentabilidade e estratégia Net Zero, já atuou em diferentes eventos e iniciativas como a COP18, Rio+20 e fóruns mundiais.
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