OPINIÃO DE ESPECIALISTA: Mais hidrelétricas, inclusive de pequeno porte, para permitir o crescimento da energia solar

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Foto: Site da Enercons
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Imagem: Divulgação | Para poder crescer no Brasil e ser ambientalmente vantajosa, a energia solar precisa deixar de depender de usinas termelétricas fósseis para à noite compensar a falta de novas hidrelétricas

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Janeiro de 2024 – Alegando “falta de recursos” para investir em algo tão essencial como a energia, o governo Sarney proibiu as empresas estatais de fazer qualquer investimento em hidrelétricas a partir de 1997, provocando o apagão de 2001. Com isso, o Governo Sarney abriu mercado para que famílias Sarney, Suarez, Bertin e Batista construíssem novas termelétricas fósseis, vendendo essa energia aos consumidores representados pela ANEEL, por preços oito vezes mais caros por quilowatt-hora do que as hidrelétricas.

Essa coincidência causou aumento de 400% da participação das fumacentas usinas na capacidade do nosso sistema, fazendo com que as indústrias e todos os consumidores passássemos a pagar a segunda energia mais cara do mundo, perdendo só para a Alemanha. E isso, por ironia muito grande, apesar de mais de 10% de todo o potencial hidrelétrico remanescente no mundo estar no Brasil.

Para podermos ser enganados a esse ponto, alguém pagou uma bem orquestrada campanha de marketing negativo contra as hidrelétricas, inclusive com famosos artistas de novela, nas quais as usinas de Itaipu e de Balbina e não seus dirigentes, foram acusadas de terem provocado, o despejo ilegal e violento de 70 mil agricultores e indígenas no Brasil de suas terras.

Uma perfeita “fake news”, que usou o fato verdadeiro da violência dos generais contra a população atingida, para chegar a uma conclusão mentirosa que “culpou” todas as hidrelétricas pelas barbaridades cometidas pelos responsáveis pela construção. E não pela própria Itaipu, a usina.

As muitas vantagens socioambientais das hidrelétricas

No mundo todo, menos no confuso Brasil de hoje, as hidrelétricas são consideradas a forma mais limpa, renovável e barata de gerar energia de forma permanente, durante as 24 horas do dia. Seus reservatórios armazenam, para ser usada à noite, a energia que a fonte solar, deixa de gerar durante 16 horas, de noite e da madrugada.

As hidrelétricas são uma verdadeira bateria natural, feita de água, não de lítio, mineral raro que para produzir-se com ele uma bateria de carro elétrico com 12,5 kg de lítio puro, precisamos escavar e processar 500 toneladas de minério.

Tudo isso, com enorme emissão de gases e particulados provenientes dos motores dos tratores, escavadeiras, caminhões, trens e navios. E claro, baterias que, se produzidas na China, irão usar energia elétrica que depende 80% de carvão.

Os reservatórios de água doce das hidrelétricas, se forem construídos adequadamente, considerando os direitos dos povos ribeirinhos e indígenas e respeitando o uso múltiplo dos recursos hídricos, podem ter efeito positivo, como na rápida evolução do IDH onde foram construídos. Esses lagos servem para reservar água doce, algo cada vez mais raro. Geram empregos, receita e tributos com piscicultura, fruticultura, turismo e comercio. O reservatório da usina Pedra do Cavalo por exemplo, garante o abastecimento da região metropolitana de Salvador, mitigando os efeitos das enchentes e das secas. O Lago do Paranoá, em Brasília é o reservatório da hidrelétrica de mesmo nome, e melhorou o nível de umidade do ar, trazendo lazer e turismo.

A frieza dos números: depois das 17 horas, 30% do sistema que será solar, deixará de gerar

As 1446 hidrelétricas do Brasil, grandes e pequenas, tem a capacidade de gerar 103,2 GW (gigawatts) ou 56,78% do total instalado que é de 197 GW. Já as eólicas têm 55,5 GW ou 14%, e as solares têm 10,4 GW ou 5,3% em usinas centralizadas.

O problema é que se somarmos as solares centralizadas com as solares de pequeno porte que já foram compradas mas não instaladas nos telhados, a fonte solar atingirá 154 GW máximos (ao meio dia), que equivalem a 30,1 GW firmes durante as 8 horas do dia. Isso quer dizer que de uma hora para a outra um enorme potencial de 30% da nossa demanda total que é de 100 GW, vai simplesmente desaparecer!

Ou seja: por volta das 17 horas, nosso sistema deixará de gerar esses 30%. Mas então quem será que vai gerar toda essa energia que durante o dia é solar, mas de noite e de madrugada não existe? Nem quando estiver nublado ou chover? Ora, as termoelétricas das famílias felizardas que conseguiram brecar a construção de novas hidrelétricas no Brasil!

É nesse ponto que os proprietários de quedas d’água, tem agora mais um motivo para se alegrar, pois se não existirem novas hidrelétricas, mesmo pequenas, terão que ser obrigatoriamente as usinas térmicas fósseis, que geram por preços oito vezes mais caras que precisarão operar para o Brasil não ter um novo apagão. Percebem a oportunidade?

Reserva de mercado. Falta de concorrência. Favorecimento

A julgar pelo que está nos acórdãos 0489/08, 2.164/08, 1.196/10 e 1.171/14 do Tribunal de Contas da União (ver links) é isso mesmo o que aconteceu e ainda acontece. E ainda mais grave, fica patente o não atendimento a determinação do TCU, o não cumprimento da Constituição e das leis que estabeleceram a obrigação do aproveitamento ótimo dos potenciais hidrelétricos de propriedade da União Federal.

Mas existem potenciais da União disponíveis para serem aproveitados? Sim e muitos. Até janeiro de 2019, quando foi tirado do ar, o sistema SIPOT com os locais de milhares desses potenciais já somava um total de 135 GW de potenciais hidrelétricos remanescentes, disponíveis, considerando apenas aqueles acima de 5 MW (até 60 milhões de investimento). Abaixo de 5 MW a lei estabelece que os potenciais não são da União mas dos proprietários das margens.

O povo brasileiro não pode continuar a ser mantido na ignorância sobre as suas riquezas e impedido de aproveitá-las por ignorar suas vantagens. Os reservatórios das hidrelétricas são úteis para o combate às enchentes e às secas, além de protegerem os rios contra a poluição e ocupação irregular das margens.

Até mesmo as comunidades indígenas, podem ser beneficiadas pelas hidrelétricas de qualquer tamanho, tal como a solução dada pelos projetistas da pequena hidrelétrica Sacre II, adotada pela tribo dos Haleti-Paresis em Mato Grosso, na qual o empreendedor paga uma importância mensal à comunidade que é aplicada, não apenas para reforçar a alimentação das crianças, mas na formação universitária de dezenas de médicos, dentistas, agrônomos oriundos da comunidade.

Uma realidade visível no excelente documentário de João Grisoste, “DOC HALETI PARESÍ ORIGEM, HISTÓRIA E ASCENÇÃO”, com depoimentos das lideranças indígenas, disponível no YouTube

O Ministério de Minas e Energia, a ANEEL e a EPE, Empresa de Pesquisa Energética, precisam cumprir sua obrigação de zelar pela modicidade das tarifas que só se consegue com o aproveitamento ótimo do potencial hidrelétrico da União. E também zelar para que as emissões atmosféricas do setor elétrico não diminuam de dia com as solares e aumentem de noite e de madrugada com as térmicas. Por isso, temos certeza de que o MME nesse ano e no próximo irá realizar mais leilões para compra de energia das hidrelétricas, já que as distribuidoras não podem alegar que não precisam mais comprar nada, porque já estariam muita energia das termelétricas por valor oito vezes mais caro.

Enquanto quem paga o preço oito vezes mais alto são os 90 milhões de consumidores, já que as distribuidoras por lei não geram energia, mas só a distribuem, mas infelizmente tem comprado energia muito mal, em nome dos seus clientes. Esse será o procedimento adequado para manter a moralidade, a modicidade tarifária, a segurança do fornecimento e a soberania nacional.

Aquilo que o TCU encontrou nesses acórdãos precisa ser melhor investigado pelo governo federal, pelo MME, pelo próprio TCU e principalmente pelo MPF, pois essas compras podem não ter sido feitas pelo nem menor preço real, nem pelo menor grau de poluição, mas sim segundo interesses comuns entre donos das distribuidoras e as famílias donas de termoelétricas fósseis.

Afinal, nos leilões, as distribuidoras, chegaram a comprar energia de usinas termoelétricas por até R$ 2.700,00/MWh, ao invés de comprar de hidrelétricas de pequeno porte por R$ 270,00/kWh.

A “termificação” é condenada pelo TCU desde 2008, mas continua impávida a sujar a matriz.

O Brasil precisa das hidrelétricas para poder viabilizar a fonte solar, livrando-a da desnecessária dependência das termelétricas fósseis, e para abastecer nossas indústrias com energia barata. Não construir novas hidrelétrica sujou a matriz elétrica, destruiu a competitividade da indústria brasileira, arrasou empregos e empresas nacionais, que como diz a FIRJAN, Federação das Indústrias no Estado do Rio de Janeiro.

Em 2008 escrevi o trabalho “Uma Itaipu de Poluição, Energia Cara e Importada” com informações do prestigiado especialista Roberto D’Araujo, disponível nesse link, como uma contribuição ao Ministério de Minas e Energia. E como não fomos ouvidos temos hoje a segunda energia mais cara do mundo e muitas privatizações já judicializadas, devido a várias irregularidades, pois ocorreram de qualquer jeito, na correria, de olho em “facilidades” como as constatadas pelo TCU nos acórdãos acima.

A falta de maior conhecimento do setor elétrico pelos industriais, pelo povo e seus representantes, bem como a ausência de debate sério sobre energias renováveis no Brasil com verdadeira participação dos consumidores, precisa ser substituída por um clima de troca de informação e de opinião, pois o outro lado é bem articulado. E claro, compreensivelmente, só visa o próprio lucro.

Existe demanda por energias limpas e renováveis em todo o mundo. E agora haverá recursos do exterior de onde já chegaram 62 bilhões de reais da Arábia Saudita, do Banco do BRICS e de fundos de investimento em títulos “verdes” lançados na Bolsa de Nova York.

Os juros poderão ser de até 8,5% ao ano, com prazo de pagamento de 20 anos e garantias de 25% acima do capital financiado. Ou seja: com essas condições o que vão faltar serão bons projetos. Prepare  o seu.

Sobre o Autor

Ivo Pugnaloni é engenheiro eletricista e de telecomunicações. Foi presidente da COPEL DISTRIBUIÇÃO, diretor de planejamento da COPEL SA, diretor do Instituto Ilumina para a região sul, fundador da ABRAPCH, associação brasileira de pequenas hidrelétricas. Foi professor do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná e membro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia do mesmo estado. Hoje é presidente da ENERCONS Consultoria em Energia. LinkedIn | Site oficial: https://enercons.com.br

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